Page 18 - REVISTA MULHERES 19º EDIÇÃO
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Na história do Brasil, não são raros os registros dos momentos em que mu- go. Por isso mesmo, parece tão neces-
lheres colaboraram com práticas hostis e segregacionistas. Um deles envolveu a sário retomar Hannah Arendt (tantas
instalação da Casa Maternal, a primeira escola pública criada por Anália Franco, vezes acusada de ser uma mulher que
no fim do século XIX. A casa ficava no estado de São Paulo e tinha sido cedi- pensava como homem) enquanto fonte
da gratuitamente pela proprietária, uma fazendeira, sob a absurda condição: “não poderosíssima para o movimento polí-
misturar negros e brancos”. Anália, que havia sido católica e se tornara espírita tico das mulheres. Movimento capaz de
sem nunca misturar o trabalho social com religião, não aceitou a proposta racista, fazer nascer uma nova história, pactuar
mas precisava do espaço. Aceitou, então, pagar um aluguel pela casa, recebendo um novo começo em que as mulheres
qualquer criança, sem segregação ou distinção racial. Ainda assim, a fazendeira sejam incluídas, não como sustentado-
não se deu por vencida diante da ousadia da professora e removeu as crianças do ras de uma vida privada opressiva e ca-
lugar. Alegou cinicamente para isso, que a casa estava sendo transformada em um rente de liberdade, mas enquanto agen-
albergue, exteriorizando, através de uma ação individual, as suas características tes de transformação. Feito o arquétipo
racistas mais peculiares. da deusa Inana, precisamos continuar
Hoje, como no passado, os tempos de opressão e intolerância escancaram tornando público o que está na esfe-
todo um azar de retrocessos. Mulheres submetidas ao sistema patriarcal, demons- ra privada a fim de visitar as trevas da
tram por vezes comportamento tão ignóbil quanto o do opressor, revelando uma opressão para que atitudes e valores
ferida purulenta que precisamos enfrentar. Parece ocorrer assim: ainda que, al- antigos sejam, enfim, substituídos por
gumas tenham passado por um sem número de violências, ao entrar no espaço novos. Como, porém, unir feminismo
político, para o bem ou para o mal, agem à moda Ministra Damares Alves, tendo e sagrado, espiritualidade e laicidade,
a vida tutelada por homens. Aliás, agem como são: mulheres feito a Inés de meu trabalho e ação, acolhimento e posicio-
“talvez eu tenha morrido”, que ainda não se libertaram do cárcere e seguem an- namento crítico, interesse privado e pú-
dando de lado feito caranguejo, ora aprumando as amarras, ora remendando a blico? Como evoluiremos, se ainda não
alma complacente e sem critério”. Revelam, assim, as incoerências e estranhezas levamos em consideração o lugar de
sociais há tanto tempo escondidas a fim de evitar o necessário enfrentamento, fala das mulheres negras e indígenas?
enquanto “os cavalos apavorados fogem em todas as direções”. “É preciso sair da Como superar a polarização política em
ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”, escreveu José Sarama- curso? Como existir, conforme nos lem-
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