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DOSSIÊ
Os debates sobre o trabalho doméstico não remunerado e o remunerado vol-
tam com força nos escritos contemporâneos de um feminismo marxista crítico, ad-
vogando-se a importância do trabalho de cuidados das mulheres para a reprodução
inclusive ampliada do sistema, e como tal trabalho, por envolver também a reprodu-
ção da vida, seria objeto de controle de corpos femininos pela Igreja e pelo Estado, em
particular os racializados (ver FEDERICI, 2017; 2019 e autoras que abordam perspec-
tivas decoloniais, como HOLLANDA, 2020).
Na América Latina o serviço doméstico é tema que vem sendo destacado na
perspectiva sobre colonialidade do poder — termo cunhado por Aníbal Quijano des-
de 1992, segundo Cahen (2018), que ressalta a raça como elemento estruturante do
processo de modernidade —, e sobre decolonialidades, ou formas de resistências dos
subalternizados, historicamente, nas relações entre colonizadores e povos originais
ou escravizados, muitas sobreviventes ou remodeladas. Assim se refere Cahen (2018,
p. 43-45) ao entendimento sobre colonialidade em Aníbal Quijano:
Por definição, os estudos em termos de colonialidade incidem indissociavel-
mente sobre as heranças e a reprodução de traços estruturais coloniais no
âmbito do sistema-mundo ao longo dos séculos até hoje. Essas estruturas são
coloniais, isto é, não diretamente moldadas pelo modo de produção capita-
lista — como é o caso da matriz racial, constitutiva do mundo moderno e que
existe bem antes deste modo de produção — mas são estruturas das quais o
capitalismo precisa em escala de Estados e de sociedades inteiras, e não só
de tal ou tal estrato social.
[...]
Quijano considera como eurocêntrica a insistência marxista sobre a forma
salarial da dominação, na medida em que o proletariado foi sempre minori-
tário à escala mundial no seio das populações dominadas. Propõe substituir
a “teoria eurocêntrica das classes sociais” por uma “teoria histórica de classi-
ficação social” [...]. Isto é, o poder é um lugar de conflitos constantes — pelo
que penso poder concluir que, como lugar de conflitos, já não tem natureza
de classes. É um “poder” capitalista na medida em que o capitalismo explo-
ra os trabalhadores de todas as maneiras possíveis e que os mecanismos de
Revista Princípios nº 159 JUL.–OUT./2020 (2005) oferece uma promissora abordagem para o debate sobre identidade política
dominação para isso — a raça e o gênero — são utilizados de maneira dife-
renciada no mundo heterogêneo dos trabalhadores.
Embora consideremos que a perspectiva da colonialidade segundo Quijano
das trabalhadoras domésticas e seu trânsito por classe, raça e gênero, concordamos
com a crítica de Cahen (2018) ao que chama de “reducionismo” daquele autor ao con-
siderar as formulações de Marx como eurocêntricas, assim como o absolutismo dado
Pode-se subalternizar um ser humano com base na nacionalidade, na etni-
134 à raça em seu esquema conceitual: