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DOSSIÊ
A pandemia da covid-19 expôs ao
mundo a vulnerabilidade do trabalho
informal e as desigualdades de
gênero no mundo do trabalho, bem
como a permanência da sobrecarga
doméstica
Ainda segundo o relatório da ONU Mulheres, na pandemia as mulheres têm de
se dividir entre diversas atividades: emprego fora de casa, trabalho doméstico, assis-
tência à família (cuidado com filhos, idosos e demais) e educação escolar em casa (já
que as escolas estão fechadas).
Enfim, a pandemia da covid-19 expôs ao mundo a vulnerabilidade do trabalho
informal e as desigualdades de gênero no mundo do trabalho, bem como a permanên-
cia da sobrecarga doméstica e dos cuidados cuja responsabilidade pesa sobre as mu-
lheres. Fica evidente que o trabalho é uma questão central para entender os sistemas
de dominação, está no centro das opressões de raça, de gênero e de classe. É também
espaço de resistência e luta, lugar de solidariedade e cooperação, de socialização e, por-
tanto, também fonte potencial de emancipação individual e coletiva (KERGOAT, 2019).
A centralidade ou não do trabalho também é fator polêmico no movimento fe-
minista atual. No artigo “O trabalho, um conceito central para os estudos de gênero?”,
Daniele Kergoat afirma:
Importados dos Estados Unidos, os gender studies centram a análise em no-
vos objetos: a hierarquização da sexualidade, as políticas de subversão das
identidades, as tecnologias do corpo, ou, ainda, a segmentação do grupo de
mulheres (que destruiria a noção de classe das mulheres) etc. Numa pers-
pectiva construtivista, eles vêm renovar a crítica da ideologia naturalista. Em
contrapartida, e é aí que se situa uma das linhas de tensão, esses avanços
também se realizaram no contexto da ocultação da questão do trabalho e da
exploração (KERGOAT, 2019, p. 291).
Revista Princípios nº 159 JUL.–OUT./2020 do mundo do trabalho e de aumento do desemprego e do trabalho informal, surgi-
O fato é que, em tempos de capitalismo financeirizado, de desregulamentação
ram várias teses negando a centralidade do trabalho, e isso também ocorre na visão
sobre as relações de gênero. Em contrapartida, a corrente francesa, coordenada por
Margaret Maruani, que há 25 anos fundou a rede de pesquisa internacional e interdis-
ciplinar Mage – Marché du Travail et Genre (“mercado de trabalho e gênero”) – vem
realizando vários estudos no sentido da afirmação da centralidade do trabalho e seu
sa corrente no Brasil são Helena Hirata e Bila Sorj.
154 papel na emancipação individual e coletiva das mulheres. As maiores expressões des-