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Trabalho e proletariado no século XXI
As empresas
apresentam
seus arranjos
intencionalmente
como “novos”,
entre outros
motivos, para
evitar a legislação
trabalhista
Um ponto de vista, como o de Standing, que enfatiza a propriedade dos meios
de produção pelo trabalhador, prioriza a formalidade e não o conteúdo real das rela-
ções. Vale lembrar a distinção entre a noção legal de propriedade e o poder efetivo so-
bre meios de produção feita por autores como Poulantzas (1977) e Bettelheim (1976). Nos
casos discutidos aqui, as empresas não possuem direitos formais para gerenciar carros,
bicicletas, computadores etc. No entanto, detêm a posse efetiva dos meios de produção
em duas dimensões. Em primeiro lugar, os proprietários formais não definem os ter-
mos do contrato com os usuários. Para a pessoa que compra, o trabalhador é/representa
a “empresa”. O trabalhador tem que respeitar um código estabelecido pela empresa,
não uma relação contratual entre ele e o usuário. Em segundo lugar, a empresa é capaz
de controlar o conjunto de trabalhadores por meios como a manipulação das taxas,
impondo condições para garantir a demanda e o suprimento de carros, bicicletas etc.,
além de suprir trabalhadores para realizar as viagens. Em muitos casos, a empresa par-
ticipa do financiamento (ou financia) dos meios de produção aos trabalhadores para
viabilizar a atividade. Em suma, a empresa não precisa de propriedade legal porque
já tem sua posse efetiva. As análises, mesmo críticas, que desconsideram esse aspec-
to material objetivo, acabam por naturalizar o argumento politicamente orientado das
empresas para deliberadamente contornar a proteção do emprego.
No que tange às TICs, elas ainda têm sido usadas para difundir a ideia de
expansão das oportunidades de negócios para qualquer pessoa, engendrando uma
espécie de neoempreendedorismo. O uso das tecnologias sugere uma aparente demo-
cratização dos meios de produção (basta ter um computador, carro ou mesmo bici- Revista Princípios nº 159 JUL.–OUT./2020
cleta) para a produção “autônoma” de renda, seja como criador, seja como parceiro
de uma startup: agora, mais do que nunca, seu sucesso “só depende de você”. Isso
é radicalizado quando as empresas alegam disponibilizar os apps ou as plataformas
para pessoas que querem ofertar e melhorar “seus negócios”, engendrando a ideia de
que os trabalhadores são clientes das empresas.
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