Page 368 - Principios_159_ONLINE_completa_Neat
P. 368
INTERNACIONAL
O proletariado no centro da sociedade pós-corona
Com a crise do coronavírus, a imensa maioria da classe trabalhadora faz seus
primeiros questionamentos, premissas de uma consciência de classe a ser reconstruída.
Por que reconstruída? Porque se a classe trabalhadora — com seu núcleo ativo
no nível da produção e várias outras camadas de trabalhadores assalariados — é ob-
jetivamente a classe que produz as riquezas e que tem potencial para ser a agente da
mudança de sistema econômico, ela normalmente não possui consciência disso. Certa-
mente não depois da ofensiva neoliberal dos anos 1980. A crescente dispersão da classe
operária e o declínio de sua organização e de sua consciência fizeram com que seu desa-
parecimento fosse anunciado, em ondas, por diversos ideólogos, inclusive da esquerda:
o filósofo francês André Gorz, nos anos 80 (Adeus ao proletariado), Michael Hardt e Anto-
nio Negri, em meados dos anos 90 (Império). Esses obituários enterram em um mesmo
movimento a classe operária, seus interesses e seu papel na luta pela transformação das
relações de produção.
Esse declínio da consciência de classe, acentuado por uma teorização com so-
taque de esquerda, provocou um ruído ideológico em que, como nota o casal de soció-
logos franceses Pinçon-Charlot, “a dominação da classe burguesa aparece como uma ordem
17
natural, ideia amplamente interiorizada pelo povo” .
Entretanto, o choque provocado pela pandemia e as lutas que dela decorrem
podem subverter esse estado das coisas. Como escreveu o secretário sindical belga Ar-
naud Levêque:
Se os sindicatos conseguirem promover uma consciência coletiva baseada
nesses diferentes ressentimentos individuais, então existirá uma brecha para
que renasça uma “consciência de classe” entre os trabalhadores, que poten-
cialmente pode reverter essa correlação de forças tão desfavorável para nós
nos últimos 40 anos, resultado das políticas neoliberais. [...] Devemos adotar
uma estratégia real rapidamente, antes que a brecha aberta pela pandemia
se feche, mas que deve também, e sobretudo, se inscrever no longo prazo. Ela
deve estar à altura dos desafios da nossa época, nos dar capacidade de resistir
às forças reacionárias e ao mesmo tempo nos afirmar e nos mobilizar para a
construção de um futuro desejável para todas e todos. [...] Retomar o poder so-
Revista Princípios nº 159 JUL.–OUT./2020 de livre da exploração se os trabalhadores não ganharem a consciência (subjetiva) que
bre o trabalho e, portanto, sobre o processo de produção de riquezas, sobre seu
conteúdo e suas modalidades, é retomar o poder coletivo sobre a sociedade. E
18
a sociedade somos nós .
De fato, a classe trabalhadora não poderá caminhar na direção de uma socieda-
forma uma classe, compartilhando os mesmos interesses. Que eles tomem consciência
do lugar fundamental que a classe trabalhadora ocupa na produção e, de forma mais
18 Disponível em: <www.revuepolitique.be/crise-du-covid-19-monde-du-travail-et-strategie-syndicale>.
Acesso em: 17 jul. 2020.
366 17 Disponível em: <https://journals.openedition.org/lectures/15952>. Acesso em: 17 jul. 2020.