Page 7 - Fernando Pessoa
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FERNANDO  PESSOA
                   sentindo...  Uma inteligência  aguda  para  me destruir,  e  um
                   poder de sonho sôfrego de me entreter... Uma vontade morta
                   e uma  reflexão  que a embala,  como a um  filho vivo...  Sim,
                   crochê...





                        e do alto da  majestade de todos os sonhos,  ajudante de
                   guarda-livros na cidade de Lisboa.
                        Mas o contraste não me esmaga — liberta-me; e a iro-
                   nia que há nele é sangue meu. O que devera humilhar-me é a
                   minha bandeira,  que desfraldo;  e o  riso  com  que  deveria rir
                   de mim, é um clarim com que saúdo e gero uma alvorada em
                    que me faço.
                        A glória noturna de ser grande não sendo nada!  A  ma-
                    jestade sombria de esplendor desconhecido... E sinto,  de re-
                   pente, o  sublime do monge no ermo,  do eremita  no  retiro,
                   inteirado da substância do Cristo nas pedras e nas  cavernas
                    do afastamento.


                        E na mesa do meu quarto sou menos reles, empregado e
                    anônimo, escrevo palavras como a salvação da alma [...] anel
                   de renúcia em meu dedo evangélico,  jóia parada do meu des-
                    dém extático.




                        A  personagem  individual e  imponente,  que  os  român-
                    ticos  figuravam  em  si  mesmos,  várias  vezes,  em  sonho,  a
                   tentei viver,  e,  tantas vezes,  quantas a tentei viver,  me en-
                   contrei a rir alto, da minha idéia de vivê-la.  O homem  fatal,
                   afinal, existe nos sonhos próprios de todos os homens vulga-
                   res, e o romantismo não é senão o virar do avesso do domínio
                   quotidiano de nós mesmos. Quase todos os homens sonham,
                   nos secretos do  seu ser,  um  grande imperialismo próprio, a
                   sujeição de todos os homens, a entrega de todas as mulheres,
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