Page 4 - Relatos de uma Quarentena

APRESENTAÇÃO
De repente, todos fomos para a casa
sem saber como seria difícil voltar... Fes-
tejamos e curtimos o carnaval e quando
a festa acabou, a quarta de cinzas levava
mais do que a energia dos foliões.
Uma semana de Portarias e Ins-
truções normativas... As aulas foram sus-
pensas e o recesso antecipado. Nos vi-
mos diante de novas propostas: ensino à
distância? Educação remota? Nunca es-
tivemos tão surpresos e nunca algo nos
pareceu tão sem sentido, nossos alunos
tinham acesso à internet? Nos dobramos
em mil e fizemos acontecer: vídeo-aula,
quiz e até Sarau Virtual...e agora os nos-
sos relatos! Mas no fundo cada um de
nós tem um pouco de angústia dentro de
si. A solidão em casa, os filhos querendo
atenção no meio de uma reunião, a von-
tade de rever os pais e avós ou os ami-
gos. Aquela agonia de quem quer sair
ver o sol, beber qualquer coisa gelada à
beira mar sem se preocupar com álcool
em gel, máscara e distanciamento.
Pra mim, essa distância tem me aproxi-
mado dos pensamentos e da reflexão, o
que importa mesmo, de verdade? Todas
as coisas que compramos e que possu-
ímos não valem mais do que os nossos
dias de trabalho rodeado das pessoas
que constroem conosco essa Unidade
Escolar. O sorriso dos nossos filhos e o
aconchego de nossa casa que por tantas
vezes a falta de tempo relegou a segun-
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RELATOS DA QUARENTENA
do plano. E muito embora siga acreditan-
do que a sociedade precisa cada vez mais
reconhecer e valorizar nosso trabalho e
que isso se dá por meio de remuneração,
devo admitir que me faz falta dar bronca
no Ryan e no Pedro, e em todos os outros
Ryans e Pedros da nossa vida. Faz falta
recebê-los com o BOM DIA das 7 horas
da manhã e receber a resposta ainda
preguiçosa de sono da maioria deles e
depois dizer cadê a camiseta? Puxa vida!
As coisas pequenas têm tanto valor...
Quando tudo isso começou, alguns alu-
nos fizeram uma brincadeira em rede
social, dizendo que aqui no Tajal o coro-
na vírus teria vindo mas não conseguiu
entrar porque estava sem uniforme e
foi barrado por mim...Como eu queria,
ter esse poder de barrar esse vírus e de
proteger a todos nós!!!
Elisangela Pereira da Silva
Impressões Isolamento social Covid 19
O exercício de sair de si e observar ao redor, propondo reflexões panorâmicas
sobre a realidade não é muito fácil, mas tenho feito durante alguns anos de minha
vida. Desde muito cedo aprendi a planejar e executar, tive muita urgência vital, de-
vido a experiêcias de fragilidade na saúde, isso me levou a ser acelerada e ativista,
desde que me conheço por gente sou multitarefas. Mas a pandemia me fez parar e
entrar em mim...
Olhava para as paredes de minha casa e tentava me reconhecer nelas, precisei
me reecontrar, foram belas semanas de organização e limpeza inclusive terminei de
abrir presentes de casamento ganhados há 10 anos trás. Meus pequenos filhos (Na-
tan com 7 e Manu com 1 ano) grudavam em mim como que não acreditando ter sua
mãe somente pra si; O marido, também em home office, economizando 4h do dia em
trânsito, olhava atônito e feliz: nossa casa, finalmente nos pertence! Percebemos que
um vírus que trouxe morte para muitos, deu vida para nossa casa.
Se num certo sentido a alegria do “novo normal” foi benéfica para família, a an-
gústia de deixar o profissionalismo pelo qual tanto lutei aumentava, se somente pelo
fato de ter perdido minha escola de origem em pleno funcinamento do ano letivo,
minha turma - quem conhece a realidade da educação infantil entende a profundida-
de afetiva do “Minha”, a incerteza da localização de trabalho, a incerteza do projeto
leitura, tudo isso me fazia realmente mal. Mas, no exercício de reflexão panorâmica
observei e internalizei o real alcance da educação: a formação de pessoas, gente que
forma gente, encontrei nas histórias do projeto leitura um caminho, todas escolhidas
a dedo com muito cuidado e carinho e, também as novas tecnologias que me obrigo
a aprender (tenho um objetivo pessoal de aprender uma nova ferramenta por sema-
na) tem acalmado meu coração pedagógico e sempre aflito por conhecimento, no
sentido de viver o provérbio judaíco “há tempo pra tudo”.
Quando voltarmos, estou certa que não serei a mesma, a urgência de vida que
pulsava em meu coração transformou-se na urgência de amar, não correrei mais, não
farei mil cursos simultâneos, não farei faxinas intermináveis, não ficarei fora de casa
muito tempo, não defenderei o que não acredito, não acelerarei conteúdo ou projetos
para cumprir protocolos, apenas amarei pessoas. Numa educação transformadora, o
amor será o combustível.
Adriana Izac