Page 48 - O Que Faz o Brasil Brasil
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queijo na mão, imagem que, como aquela outra que fala de quem
está por cima da carne-seca, indica a propriedade de recursos de
poder e força. Ademais, podemos ser convidados para comes e
bebes e, sempre que falamos alguma coisa que não deve ser levada
a sério, falamos da boca pra fora O processo de ingestão,
equivalente lógico a “falar da boca pra dentro”, é tão impossível,
representando uma metáfora de tudo que é inatingível ou absurdo...
O fato é que o comer, a comida e os alimentos formam um código
complexo — uma verdadeira boca rica social — que nos permite
compreender como é que a sociedade brasileira se funde enquanto
tal.
Assim, comer do bom e do melhor denota mais do que
alimentar-se, indicando um passadio de rico, uma vida boa, gostosa,
nobre. Vida de político ou de milionário que vive em palácio e tem
gasolina paga pelo erário público ou pela firma... A comida vale
tanto para indicar uma operação universal — o ato de alimentar-se —
quanto para definir e marcar identidades pessoais e grupais, estilos
regionais e nacionais de ser, fazer, estar e viver. Em nossas casas,
sabemos perfeitamente bem quem gosta do quê e como esse
alguém gosta de comer alguma coisa. Ê ato de amor familial e
conjugal servir o pai, o irmão, a mulher e os filhos, mas também os
subordinados e até mesmo visitantes esporádicos, levando em conta
o modo como gostam de comer os ovos, o bife, o arroz, a salada e
o feijão. E chegando mesmo ao requinte de saber como as pessoas
gostam de ter seus pratos arrumados, arte que a mãe ou a dona-de-
casa conduz com precisão, solicitude e enorme paciência. Vovó
adora pimenta, papai gosta de carne no ponto, titio só come com o
arroz em cima do feijão, dona Maria detesta tomate na sua salada...
Os exemplos poderiam ser multiplicados para indicar como a comida
define as pessoas e, também, as relações que as pessoas mantêm
entre si... Nós, brasileiros, sentimos saudade de certas comidas e
poderíamos perfeitamente dizer: dize-me o que comes e dir-te-ei