Page 11 - C:\Users\Leal Promoções\Desktop\books\robertjoin@gmail.com\thzb\mzoq
P. 11
Escrivaninha Xerife
Não sabia que se chamava Xerife a escrivaninha dos meus sonhos. Descobri agora. Essa
escrivaninha de madeira é cheia de gavetinhas e escaninhos de vários tamanhos e tem uma
tampa. Quando você para de trabalhar, você fecha e ninguém sabe o que se esconde lá
dentro. Não tenho a menor ideia de onde eu possa ter visto uma dessas na minha cidade, lá
no interior do Rio Grande do Sul. O fato é que eu sempre achei que essa era a única
escrivaninha que um escritor poderia ter. Por causa das gavetinhas e, especialmente, por
causa da tampa.
Explico. Você está lá, escrevendo, todo escancarado e, de repente, você fecha. E até
chaveia. Seus anjos e principalmente seus demônios ficam lá dentro, sem risco de se
dependurarem no lustre, esconderem-se em algum lugar onde você não os ache ou mesmo
assombrar o resto da família.
Tive várias escrivaninhas ao longo da vida, de fórmica à penúltima, toda modernosa, feita
com madeira de demolição. Agora comprei a última, a minha própria Xerife. Por que só
agora? Porque só agora a mereci.
Decidi que vou me “enforcar nas cordas da liberdade”. Para isso, precisava me reinventar
com tudo aquilo que já era meu. Para marcar esse ato, queria transformar algo da matéria
volátil dos sonhos em existência concreta. A escrivaninha dos devaneios da minha infância
materializou-se, com tudo de incontrolável que existe quando nos arriscamos a desentocar
os sonhos — com uma vara que é sempre meio curta — e os expomos aos percalços do real.
Foi um ato de profundo simbolismo para mim, que adoro rituais de passagem. Um dia
antes da compra, deixei a redação da revista Época, depois de dez anos. Poderia continuar
ali por mais 20 (se continuassem me querendo, claro), mas achei que estava na hora de criar
uma nova vida pra mim. Deixei Porto Alegre e a redação do jornal Zero Hora, onde trabalhei
por 11 anos, em janeiro de 2000, para ir para São Paulo e para a Época. Não porque estava
desconfortável lá, mas porque estava confortável demais. Me perguntavam então por que
eu deixaria tanto para ir para uma cidade demasiado grande, demasiado tudo. Eu respondia:
estou indo porque não quero saber como serão os meus dias daqui a cinco, dez anos. E fui.
Nessa última década fiz reportagens que transformaram a minha vida (e, espero, algumas
outras), perambulei por Amazônias desconcertantes (elas são várias e sempre escapam),
viajei pelas muitas periferias de São Paulo e de outras cidades (não há dois becos iguais) e