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como muito bem coloca o prof. René Ariel Dotti   625 , devem ser estabelecidas garantias para

                  que  o  processo  criminal  não  se  transforme,  ele  mesmo,  num  instrumento  de  terror,  agora
                  manipulado  pelo  próprio  Estado.  Quando  se  fala  no  devido  processo  legal,  pensa-se,

                  evidentemente, nos acusados de um processo criminal e, muito mais que neles, deve-se pensar

                  também em todo e qualquer cidadão que possa ser apontado como suspeito. É nesse sentido,
                  não distinguindo entre culpados e inocentes, que muitas vezes se manifesta o terror estatal.

                         O devido processo legal é uma exigência do Estado democrático de Direito e também
                  da própria formulação da consciência social e humana. Não é possível submeter-se qualquer

                  pessoa aos rigores, aos dramas e às tragédias do processo criminal sem a obediência ao devido
                  processo  legal  em  todas  as  suas  expressões,  sejam  as  primárias,  relativas  à  presunção  de

                  inocência, ou não.

                         É  possível  aceitarmos  uma  atenuação  à  ilicitude  probatória  em  decorrência  do
                  reconhecimento da boa-fé dos agentes investigadores? Em relação à tortura, especificamente,

                  a resposta é um sonoro não. Tortura e boa-fé são termos antinômicos. O agente público que
                  pratica tortura revela o descortino cabal de sua censurabilidade, tanto que em todos os casos é

                  uma prática clandestina, underground, feita à revelia de testemunhas. Está em poder do agente
                  (em  sua  própria  vontade)  escolher  o  procedimento  conforme  ou  não  ao  Direito,  com  as

                  consequências  derivadas.  Quando  um  agente  público  torturador  comete  o  desvio  de  poder

                  consistente na tortura, ele não incide apenas em um erro técnico ou numa má aplicação da lei
                  por ignorância (ou despreparo), mas está, formal e materialmente, de má-fé; sabe, em toda a

                  extensão da prática, que traiu a intenção do legislador.

                         O princípio da livre apreciação das provas não autoriza o juiz a receber e valorar a
                  confissão  obtida  mediante  tortura?  Novamente  não.  Esse  princípio  refere-se  à  análise  (ou

                  valoração) dos meios de prova produzida de acordo com as prescrições legais ou processuais.
                  Desse modo, o julgador não está autorizado a aceitar e valorar prova ilicitamente constituída,

                  e cujo suporte é um direito fundamental que não concorre com nenhum outro.


                  5- Conclusão


                         Alça-se  como  princípio  geral  que  provas  obtidas  com  violação  dos  direitos

                  fundamentais não podem surtir efeito probatório e nem podem ser valoradas processualmente.
                  Qualquer  prova  obtida  com  violação  aos  direitos  fundamentais,  e  através  de  tortura

                  especificamente,  é  absolutamente  nula,  sendo  repudiada  em  tratados  e  convenções



                  625  Terrorismo e devido processo legal. Revista do Centro de Estudos Judiciários. Brasília, nº 18, p. 30.


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