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possível verificar ainda resistências a uma atuação interdisciplinar. Para muitos Promotores de

                  Justiça, a escolha pelo direito criminal inviabilizaria a sua atuação como Promotor de Tutela
                  Coletiva  e  vice-versa.  Os  muros  que  separam  as  duas  esferas  de  atuação  parecem

                  instransponíveis.  O  último  reduto  de  salvação  desta  avalanche  que  avançou  MP  adentro,

                  conhecida por muitos como ―direitos difusos‖.
                         Eis  que  chegamos  com  algumas  notícias.  Alentadoras  para  uns,  desoladoras  para

                  outros. Mas a temática criminal também pode ser lida sob a ótica da tutela coletiva. Afinal,
                  polícia e segurança pública são matérias que se fundamentam  em um arcabouço de direito

                  administrativo-constitucional, e que com efeito, propiciam a atuação do Promotor de Justiça
                  com  atribuição  para  a  promoção  de  direitos  difusos.  Trata-se  de  pensar  o  direito  por  um

                  raciocínio distinto. Devemos promover a justaposição de diferentes olhares sobre fenômenos

                  que se projetam no mundo real sob diferentes matizes. Momento oportuno para lembrarmos
                  das  reflexões  do  antropólogo  Bruno  Latour:  afinal,  a  camada  de  ozônio  é  um  problema

                  político,  químico,  econômico,  ambiental  ou  social?  O  mundo  não  é  uma  caixa  de
                  dicotomias 865 .

                         Existe,  portanto,  um  território  pouco  explorado,  na  fronteira  entre  o  direito
                  administrativo-constitucional e o direito penal, em processo de descobrimento. Pensamos por

                  ora, que estamos diante de matéria que se apresenta como tutela coletiva (ou Direitos Difusos)

                  da  segurança  pública 866 .  Um  território  híbrido  em  que  as  polícias  existem  não  como
                  testemunhas de um processo criminal, mas como agentes públicos, integrantes de um órgão

                  público,  pautado  pelos  princípios  do  direito  administrativo  e  os  fundamentos  e  limites  do

                  direito  constitucional.  Neste  território,  Promotores  de  Justiça  não  são  protagonistas  de  um
                  processo criminal, mas de uma intensa atividade de natureza predominantemente extrajudicial,

                  e buscam compreender de que maneira os órgãos de polícia (e outros órgãos que sim exercem
                  papel preponderante na promoção de segurança pública) estão estruturados, ou orientam as

                  suas ações.  Os membros do  Parquet  querem  saber como  funciona  a casa de máquinas das
                  polícias,  o  que  está  fora  de  esquadro,  e  o  que  se  pode  fazer  para  melhorar  o  sistema  de

                  segurança  pública  como  um  todo. A  preocupação  não  é  condenar  sujeitos  ou  organizações

                  criminosas  pela prática  de crimes.  Mas,  basicamente garantir o bom  funcionamento  de um

                  865  LATOUR, Bruno. We have never been modern. Cambridge: Harvard University Press, 1993.
                  866
                     No curso de direito administrativo do Professor Diogo de Figueiredo, este apresenta a seguinte estrutura para
                     a temática em questão, muito embora sua análise seja bastante restrita: Capítulo XV  - Polícia, Seção I –
                     Polícia Administrativa;  Seção  II  –  Direito Administrativo  da  Segurança.  Veja-se  que  curiosamente,  o
                     capítulo subsequente é justamente o Capítulo XVI – Serviços Públicos. O administrativista segue a topologia
                     da Constituição Federal, reconhecendo semelhança entre a temática da segurança pública aos institutos de
                     excepcionalidade constitucional e de preservação da soberania nacional (estado de defesa, de sítio e forças
                     armadas), rechaçando semelhança a lógica de prestação de um serviço público estatal. FIGUEIREDO, Diogo
                     de. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: 2003.


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