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delegação legislativa disfarçada deferida por uma "complacência irregular do Poder
Legislativo".
Conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Mello 1015 ,
"Considera-se que há delegação disfarçada e inconstitucional, efetuada fora do
procedimento regular, toda vez que a lei remete ao Executivo a criação das regras que
configuram o direito ou que geram a obrigação, o dever ou a restrição à liberdade. Isto
sucede quando fica deferido ao regulamento definir por si mesmo as condições ou
requisitos necessários ao nascimento de direito material ou ao nascimento da obrigação,
dever ou restrição".
Quando o Poder Legislativo autoriza que direitos/prerrogativas e
deveres/restrições/obrigações sejam disciplinados por regulamento, renunciando à sua
competência, solapa o princípio da legalidade ("ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei") e confere um controverso poder normativo ao
órgão administrativo.
Dentro de nossa estrutura constitucional de tripartição de poderes, têm-se que as
funções típicas de cada um dos poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, são, em regra,
indelegáveis. Diz-se "em regra", porque em dois momentos a Constituição,
excepcionalmente, outorga a prerrogativa de legislar ao Executivo: para edição de medidas
provisórias (art. 62) e produção de leis delegadas (art. 68). Em relação às leis delegadas, não
serão objeto de delegação, dentre outras, matéria reservada a lei complementar. Acrescente-se
ainda, que as previsões contidas nos arts. 62 e 68 da CF, são exceções ao princípio da
separação dos poderes que implicam duas conclusões: 1- só a Constituição pode prever
exceções aos seus princípios, não sendo lícito tal tarefa ao legislador; 2- não é possível
interpretar extensivamente as exceções aos princípios constitucionais.
Esse meio indireto ("delegação legislativa"), aparentemente lícito, representa uma
fraude à Constituição. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que
por ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão fazê-lo atos de estirpe
menor, tais como instruções, portarias ou resoluções. Se o Chefe do Poder Executivo não
pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebê-las para isso por complacência
irregular do Poder Legislativo, menos ainda poderão outros órgãos ou entidades da
Administração direta ou indireta 1016 .
1015
Curso de Direito Administrativo. São Paulo:Malheiros, 2001, p. 324.
1016 BRODBEKIER, Bruno. Poder regulamentar da Administração Pública. Rio de Janeiro, Revista de Direito
Administrativo, Jul./Set. 2003, vol. 233, p. 148; DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito
Administrativo. São Paulo:Malheiros, 2001, p. 335.
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