Page 36 - PEQUENAS VERDADES DISTRAÍDAS
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CANTO
eu canto como quem propugna uma razão para a qual ainda não
foram inventadas as palavras mais certas
que desagrega a matéria e que revolve o solo
deste não-lugar;
da vertigem de ser apenas o que se é.
meu canto é poroso
–sanguíneo e translúcido punhal
desossando a carne das horas;
roendo as veias, o fígado e o tutano
numa tessitura torta, amarga e ardente
que irrompe auroras
e assinala em mim o cheiro de todas as ausências
deixando um áspero sabor de pólvora na boca.
– Eu canto, canto porque a verdade não é o bastante