Page 8 - JornalJunho2020(11ªEdição)
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Jornal Escolar do Agrupamento de Escolas de Monção junho 2020
“A GRIPE PNEUMÓNICA DE 1918”
Uma Memória que é Urgente Lembrar
“Pandemia”, “confinamento”, “quarentena”, pendia-se sobretudo da “Sorte” ou da saúde de
“assintomático, “achatar a curva”... Parece voca- cada um. O contágio era extremamente rápido e
bulário estranho e novo mas, o que é certo, é que não exigia sequer o contacto físico, bastando uni-
nos isolou e separou, ainda que só socialmente e camente a propagação pelo ar que se respirava,
em termos de comunidade, no nosso caso tam- pelas microgotículas, suspensas por simples e
bém comunidade educativa. A História, como qua- inocente espirro ou tosse. Vai chegar a Portugal
se sempre, lembra-nos que tudo isto não será, por abril ou maio de 1918 e, rapidamente atinge o
propriamente, novo. Que, desde sempre, houve primeiro “pico”. Como compreendemos neste en-
situações similares que, se as revisitarmos e estu- quadramento histórico, a situação, nomeadamente
darmos, poderão ajudar a compreender o atual em Portugal que teve a sua participação no confli-
flagelo e, se possível, atuarmos de acordo com a to, não era particularmente favorável. Crise pro- doença – espero que não cometamos o mesmo
experiência adquirida ao longo de séculos e não funda, alta de preços dos bens essenciais, pobre- Erro) os valores disparam nos meses de Outubro
cairmos nos mesmos erros, de resto, um dos prin- za, fome, fragilidade sanitária, baixos índices de e Novembro, causando um número impressionan-
cipais objetivos do estudo da História. Reflitamos saúde pública, e doenças terríveis como o tifo e a te de vítimas e triplicando o número atingido em
sobre o que se passou naqueles não tão longín- varíola. Mesmo sem grande precisão estatística, maio. Foi, por desespero e nessa altura, que, em
quos anos de 1918/19, com a Viana se consagra o Sagrado
maior pandemia em número de Coração de Jesus e se iniciam
vítimas (Portugal e o mundo as peregrinações ao Santuário
tinham acabado de sofrer uma de Santa Luzia, promessa ain-
outra grande epidemia de gripe da cumprida anualmente. Por
entre os anos 1889 e 1891, a último, realçar o papel funda-
dita “russa”) que assolou o mental do Diretor Geral de Saú-
mundo inteiro – a chamada de, Dr. Ricardo Jorge e dos
“Pneumónica” ou “Gripe Espa- hospitais (alguns improvisa-
nhola”, como popularmente (já dos), verdadeiros heróis que
veremos, mal denominada) fi- tentaram, de todas as maneiras
cou conhecida. Num ano, esta possíveis, minimizar a catástro-
estirpe severa de gripe, fez fe, num País onde falta-
mais vítimas do que um século va...quase tudo.. Fica, dando
de “Peste Negra” ou que os 8 exemplo, um apelo alarmado
milhões de mortos da 1ª Guerra do médico Ricardo Jor-
Mundial, e não poupou nenhum ge :”Acabem, por favor, com os
lugar, nenhum povo, não esco- cumprimentos de uso, apertos
lheu credos, nem barreiras ou de mão e beijos de cerimónia,
diferenças sociais. Em relação gestos que repugnam a higiene
à sua origem, não há certezas e até a cultura (...) As reverên-
absolutas (alguns apontam para cias chegam e são bem mais
um campo militar nos Estados inocentes que os toques sus-
Unidos e, como os soldados peitos do próximo, e logo coi-
americanos vão ter participação sas polutas como beiços e de-
decisiva na guerra, vão introdu- dos (...). Foram finalmente pro-
zir o vírus na Europa, através ibidas as feiras e romarias, até
de Brest, na França) e não é, as comemorações do 5 de ou-
talvez, relevante para nós saber tubro... Em conclusão: Encon-
exatamente de onde proveio. A tramos muitos pontos em co-
Espanha dessa altura era um mum com a atual pandemia e
país neutral por isso informava suas consequências; temos
mais intensamente através dos muitas vantagens em relação
jornais, notícias da gripe, tendo ao combate que os nossos
até o seu rei, Afonso XIII, con- “avós” tiveram que travar –
traído a doença. Por essa razão mais e mais rápida informação,
e por, em relação a nós, ter en- mais e melhores meios sanitá-
trado por Espanha (havia muita rios de combate, melhores con-
troca de trabalhadores entre os dições de vida e de saúde. Te-
2 países), ficou então conheci- mos a desvantagem de sermos
da por “gripe espanhola”. O bastante mais população do
contexto histórico era, então, que então (rondava os 6 mi-
ainda de Guerra 1914/18, está- lhões de habitantes) e uma
vamos a 7 meses do armistício. densidade populacional muito
Tal como a atual pandemia, a mais concentrada no litoral, o
pneumónica manifestou-se por que aporta alto risco de contá-
surtos e por sucessivas muta- gio, por aglomeração de pesso-
ções do vírus, o que a tornou implacável e mais própria da época, ultrapassou-se os 60 mil mortos as. Só podemos adotar um comportamento que
difícil de combater. A morte podia surgir duma em Portugal, cerca de 5% da população (no mun- não é, de todo, o da indiferença e do desleixo,
forma rápida e violenta ou lenta e progressiva, do inteiro houve entre 50/100 milhões de mortes). este pode ser fatal. É imperioso seguir à risca as
enfraquecendo as defesas do organismo, permi- A maior diferença, em relação à gripe atual, reside instruções que nos são transmitidas diariamente
tindo o alojamento de bactérias nos pulmões, sen- nos grupos etários mais atingidos: naquela altura e, bem unidos na vontade, vencer o vírus e honrar
do, portanto, uma pneumonia viral bacteriana. Na- foram as crianças, sobretudo até ao 23 meses, e a nossa História, honrar gerações de Portugueses
quela altura, não havia fatores imunizantes, não os jovens adultos, entre os 20 e os 39 anos os que sofreram para nos deixar testemunho.
havia cura – o antibiótico ainda vinha longe – as mais flagelados. Depois do primeiro pico atrás Cuidem-se!
vacinas tardaram, não havia assim tantos hospi- referido, (onde ainda havia falta de conscienciali- Prof. Carlos Neves
tais, não havia sofisticação de ventiladores. De- zação das pessoas e uma certa indiferença face à
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