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Os valores da regeneração

              Publicada em 1934, Mensagem não recebeu o devido reconhecimento na sua época, no entanto, a obra reve-
          la agora a sua importância no legado de Pessoa, bem como na construção da identidade nacional, individual e na
          transmissão dos valores que devem permanecer adjacentes às mesmas.
          Através do questionamento do seu presente, do passado histórico do país e da conceção de conquista, o sujeito
          poético toma o leme de uma viagem, não em busca de novas terras, mas em busca da essência da lusitanidade e
          do acordar de um povo há muito envolto em nevoeiro.

          Neste contexto, o sebastianismo assume um papel de relevo, sendo o ponto de partida para a veiculação da men-
          sagem do poeta, além de evidenciar a sua originalidade e capacidade reflexiva. Segundo  o mito, D. Sebastião,
          morto na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, regressaria num dia de nevoeiro para salvar a nação dos inúmeros
          problemas que enfrentava no século XVI. De facto, o salvador nunca regressou, nem tão-pouco se salvou Portugal
          da decadência, mas o patriotismo e a esperança de um futuro melhor, representados pelo mito, tornaram-se intem-
          porais.
          Assim, o poeta reformula o que considera ser o possível motor da renovação da nação. Porém, o sebastianismo de
          Pessoa tem algo de muito particular, por não incentivar a espera pela vinda de um salvador, pelo contrário, apoia-
          se na necessidade de ação do Homem, pois só assim poderá cumprir a sua missão. Conforme as palavras do pró-
          prio Pessoa, “Não há homens salvadores. Não há Messias. O máximo que um grande homem pode ser é um esti-
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          mulador de almas, um despertador de energias alheias.” . Ora, é precisamente esse o louvável papel que o poeta
          se dispõe a cumprir: o de transformar a insatisfação em progresso, de incentivar o sonho e de recordar os valores
          necessários à sua concretização.

          Estes valores, por sua vez, são personificados nas figuras históricas dos poemas, que mais do que representações
          fidedignas do passado, são construções literárias que ilustram a essência do herói e evidenciam as características
          necessárias à regeneração de Portugal.
          Em “D. Sebastião, Rei de Portugal”, admira-se a loucura, o sonho e a fuga ao pensamento restrito e banal, confor-
          me observado nos versos: “Sem a loucura que é o homem/ Mais que a besta sadia/ Cadáver adiado que procria?”.
          Deste modo, realçam-se valores fulcrais para o progresso da sociedade e o crescimento individual dos que a com-
          põem, como a perseverança, a ambição e a recusa de uma vida sem propósito.

          Semelhantemente, “D. Dinis” é apresentado como um visionário e um impulsionador do progresso, mas sobretudo
          como um indivíduo que anseia ultrapassar as limitações terrestres, por meio da expansão marítima, em busca de 1
          futuro de virtude e de conhecimento (“É o som presente desse mar futuro, / É a voz da terra ansiando pelo mar.”).
          A ânsia surge também no poema ‘Nevoeiro’ (“Que ânsia distante perto chora?”) manifestando-se agora no próprio
          sujeito poético. Assim, em apenas cinco palavras, Pessoa resume, com um notável talento e sensibilidade, a ne-
          cessidade do sonho e do desejo de mudança, que, apesar de causarem frustração e dor por não pertencerem ain-
          da ao domínio do real, surgem como a chave do início da regeneração social e do fim da indefinição coletiva, que
          caracterizam a nação há séculos.
          Contudo, não basta que o homem sonhe para que a obra nasça (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” – “O
          Infante”), pelo que é dado especial ênfase ao prestígio do indivíduo que se transcende por meio do trabalho árduo,
          da perseverança e da superação pessoal.
          Neste sentido, o “Mostrengo” surge como personificação da adversidade e do desconhecido (“Nas minhas caver-
          nas que não desvendo, / Meus tetos negros do fim do mundo?”), situação perante a qual o “homem do leme” é ele-
          vado a herói ao recusar ser dominado pelo medo, ultrapassando-o em prol da sua missão (“E mais que o mostren-
          go, que me a alma teme…/ Manda a vontade que me ata ao leme”).
          Note-se, porém, que o herói representado nada tem de utópico. Pelo contrário, Pessoa destaca a fragilidade huma-
          na e transforma o “homem do leme” no símbolo de todos os Homens que se suplantam através da coragem, a qual
          é afinal compatível com a insegurança que, inevitavelmente, integra a natureza humana. Tal é evidenciado pelo
          facto de o herói “tremer três vezes” mesmo antes de se impor, o que mostra que o seu receio não desapareceu,
          mas foi domado pela força do espírito.
          1 Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte,
          1993:97.  [Online] http://arquivopessoa.net/textos/3945.


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