Page 13 - ARCANO XIII | domdiegosilva
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rua depois de rua, esquina atrás de esquina,
                                   nenhuma alma viva que lhe cedesse um
                                   copo  d’água.  ainda  que  tardiamente  a
                                   cidade  estava  confinada:  paúra  –  diria
                                   seu falecido velho tocando as pontas dos
                                   dedos. mas ele desconhecia o medo, já
                                   nascera invencível no nome que herdara e
                                   que lhe garantiria outras heranças futuras.
                                   mesmo na escola – onde o maior come o
                                   menor – ele era grande desde pequeno.


                                   crescido sem adversário que lhe impusesse
                                   resistência acostumou-se a ver os homens
                                   pela nuca da humildade cabisbaixa que lhe
                                   prestava reverência. era o patrão – dono
                                   de gado e gente – agora chamado CEO,
                                   executivo,  presidente,  mas ele  preferia
                                   patrão – dono de gado e gente. o gado
                                   andava gordo como nunca, mas a gente...


                                   paúra! as portas e janelas cerradas abrigavam
                                   sobreviventes de uma guerra que eles não
                                   sabiam enfrentar e da qual não era possível
                                   esquivar-se. pobres diabos acovardados!
                                   faziam o que podiam e só podiam se esconder
                                   e esperar o inimigo invisível de ódio implacável
                                   que não distinguia generais de soldados,
                                   fardados ou civis, criança, velho, pobre ou rico,
                                   inimigo maldito que ceifava indistintamente
                                   como se fosse certo morrer da mesma
                                   morte  quem  viveu  vidas  tão  diferentes.


                                   frouxos miseráveis incapazes de abrir a porta
                                   mesmo a um homem da estirpe dele. se a sede
                                   lhe permitisse pensar pensaria que morreria
                                   de sede, mas não pensava. há dias apenas
                                   caminhava sem parar por ruas infindáveis de
                                   portas e janelas cerradas e silêncio tumular.
                                   ele que empregava mais de cem famílias, que
                                   dominava-as por gerações, dono de avós,
                                   pais e maridos e que conhecia pelo nome
                                   e um pouco mais também as mães e filhas,                                 ANAMNESE
                                   só queria um copo d’água, pagaria o que
                                   pedissem se houvesse alguma oferta para sua
                                   procura. malditos covardes! maledetta paúra!
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