Page 14 - ARCANO XIII | domdiegosilva
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zanzou assim a esmo por meses – talvez anos
                                   ou décadas – jamais saberia, há tempos que o
                                   tempo não era mais que alegoria. consumia-o
                                   a  sede  e  a  desesperança,  pensava  que
                                   morreria se não encontrasse água e – antes
                                   tarde que mais tarde – experimentou enfim
                                   a paúra que ouvira seu velho falar quando
                                   criança. e como se o medo o humanizasse,
                                   enfim sentiu também cansaço e – na falta de
                                   lugar mais adequado – sentou-se no cordão
                                   da calçada com a cabeça entre os joelhos.


                                   a vida finalmente voltava – ainda que em
                                   fragmentos e pequenas reminiscências –
                                   os nomes e sobrenomes de cada miserável,
                                   dos fulgêncios e alciebíades, de marias e
                                   gertrudes e de cada um de seus bastardos.
                                   e  da  sarjeta  em  que  repousava  subiu
                                   cheiro pútrido de esgoto após tantos anos
                                   sem  olfato  que  aspirou  profundamente
                                   como se perfume fosse o cheiro putrefato
                                   do que costuma escorrer de dentro das
                                   gentes e que corre embaixo das calçadas
                                   antes  de  misturar-se  à  água  desejada
                                   no rio em que bebem os que tem sede.


                                   pareceu-lhe que a cidade despertara,
                                   finalmente. de um salto ergueu-se e pôs-
                                   se novamente a caminhar, agora com novo
                                   rumo e humor, movido pela esperança de
                                   um cérebro que aos poucos parecia voltar
                                   a funcionar. já não agia como um animal
                                   irracional movido apenas por seus instintos
                                   e necessidades, tinha conhecimentos
                                   e lógica, sabia que o esgoto conduziria
                                   a  algum  rio,  seu  nariz  seria  seu  guia.








             ANAMNESE
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