Page 19 - ARCANO XIII | domdiegosilva
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uma fresta entreabriu-se no olho remelento para detectar a ausência de luz no ambiente – algum
lugar entre 18h e 6h – deduziu, com um olho aberto outro fechado, indeciso ainda entre onírico
e vigília. o vício vem primeiro: se estivesse perto de uma das duas extremidades horárias possíveis
acordaria – cigarro acabando e acabado o dinheiro, precisava mais papel, encontrável antes das
20h ou depois das 8h. o pote de moedas sobre o balcão foi a imagem seguinte em sua mente que
o remeteu à miséria que explicava a depressão e o
sono desregulado.
tateou a cama pelo telemóvel e posicionou o dedo
para desbloquear a segurança desnecessária no
INFILTRADO isolamento, meses sem visita e outros iguais pela
frente – 02h20 – podia dormir, mas os últimos
movimentos o despertaram de vez. uma mijada, um
café e um cigarro e no meio disso os pensamentos
divididos entre o futuro imediato na vigília e o
passado recente ainda nebuloso no onírico.
| café + 3 dias | açúcar + 2 | fumo picado 5 ou 6 [mas até lá pode entrar algum trocado
pra cigarro de verdade mais caro mas que sacia mais o vício] | papel de crivo acaba hoje – tô
ti dando oportunidade, malandro. tu vai parar lá mesmo, melhor trabalhar pra mim e pra eles que
só pra eles – dois tomates, uma cebola, pacote e meio de macarrão, meio vidro de arroz – pelo
menos tu vai tá do lado certo enquanto faz o serviço pro lado errado, tá ligado? tipo um agente
infiltrado – a água já passou da bunda e tá chegando no pescoço, preciso descolar alguma renda
– questão de tempo, não demora tu vai bailar, malandro. tu já era. não pensa muito – caralho,
que porra é isso que esse cara tá dizendo?