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Capítulo 6 A Emancipação de Victor
O irmão de Victor morreu numa madrugada silenciosa de um dia que se
alongava, empurrando a escuridão da noite, obrigando-a a se retirar
apressada para criar no céu o azul delicado e aconchegante das primeiras
horas de uma primavera suave. Um momento no tempo em que pouco a pouco
cores mais vibrantes do sol sobre as flores explodindo nos jardins e árvores e
muros e praças anunciavam a força da renovação da vida.
E foi assim, com a natureza se preparando para uma festa, que o primogênito
Gatopardo resolveu partir.
Victor o encontrou completamente vestido com seu mais elegante smoking,
submerso até o pescoço na banheira em que a água morna se transformou num
caldo espesso e rosado pela quantidade de sangue que havia se derramado dos
pulsos cortados fundo.
Num ímpeto impensado, que uma mínima reflexão teria denunciado como
inútil, Victor se atirou sobre ele e buscou no âmago da sua vontade a força
descomunal que precisaria para arrancar seu irmão do caldo de sangue e
morte. Arrastou-o para fora do banheiro se esparramando sobre o cadáver.
Ensopado pelo líquido pegajoso, ia escorregando, tropeçando, caindo,
enquanto lutava a luta inglória para resgatar a vida que já não estava mais
ali. Olhava o rosto macilento e exangue, tentava fazer os olhos se abrirem e o
movimento da respiração voltar esbofeteando-o, gritava a plenos pulmões
pedindo ajuda e embora uma multidão de soldados e oficiais e empregados
tenha acorrido imediatamente, para Victor foi como se tivesse lutado sozinho
por dias.
Na avaliação do legista, o irmão estava morto desde a véspera há pelo menos
oito horas quando Victor o encontrou e a urgência dos gritos e da agitação em