Page 52 - Girassóis, Ipês e Junquilhos Amarelos - 13.11.2020 com mais imagens redefinidas para PDF-7
P. 52
“__Crimes estão acontecendo...” as palavras com um quê de dramaticidade
piegas não deixavam de perturbar sua costumeira placidez. Inconvenientes,
asquerosas, provocando um mal estar bem definido.
Ter encontrado aquele bilhete fizera Victor repassar, vezes sem conta, seus
movimentos na tarde em que fora até a biblioteca do Clube em busca do
anuário e ele se lembrava em detalhes da visita. Desde sua chegada ao
suntuoso casarão até o momento em que saíra, já noite, passando pelo largo
hall, apanhara casaco e bengala na chapelaria e lembrava-se de haver trocado
palavras breves ao se despedir cortesmente de dona Olga, a encarregada da
administração, - no Clube há tantos anos que já parecia parte do mobiliário.
Saíra pela porta principal e descera as escadas até o carro que o esperava para
levá-lo a casa sem se apoiar nos corrimões de mármore, mas utilizando a mão
direita com destreza para manejar a elegante bengala com castão de prata e
carregando, sobre o braço esquerdo, o casaco dobrado e o anuário, ambos
firmemente seguros contra o peito.
Pouco depois, já bem acomodado no banco de trás do automóvel e entregue a
competência do velho chofer, resolvera se distrair e abrira o pesado volume
buscando de imediato as páginas centrais com o encarte. E ali encontrou o
bilhete. Escrito em papel cartão branco comum, quase saltando de entre as
páginas para ficar inerte sob seu olhar atônito.
“__Crimes estão...” - com as letras graúdas, em tinta preta, agressivas,
gritando irritantes para sua consciência, exigindo sua atenção.
Uma acusação absurda, sem nenhuma base de sustentação...
Ou não... ?
Mais tarde, já em casa, Victor se entregou a uma reflexão profunda e corajosa.
Disposto a confrontar, inclusive, sua evidente omissão nos assuntos do Clube
Internacional de Havanófilos desde que deixou a sua presidência, há vinte e
três anos.