Page 119 - Microsoft Word - FRIEDRICH NIETZSCHE - O Livro do Filosofo.doc
P. 119
Está um tanto escuro no quarto; acendo uma lâmpada; o olho do dia
arrisca um olhar curioso através das janelas que as cortinas obstruem pela
metade. Oh! ele gostaria de ver mais longe, até o centro desse coração que
treme e estremece até o mais profundo, mais quente que a luz, mais escuro
que a noite, mais emocionado que as vozes que vêm de longe, como um
grave sino que toca quando a tempestade ameaça.
E eu imploro uma tempestade. A voz dos sinos não atrai os raios?
Pois bem, aproxima-te, cara tempestade! Lava, purifica, faz com que
perfumes de chuva penetrem em meu ser dessecado. Sê bem-vinda! Sê
finalmente bem-vinda!
E ai estão, primeiramente raios, com que tu atinges meu coração no
centro; dele sai um longo esguicho de bruma pálida. Tu a reconheces, essa
traidora morosa? Meus olhos já estão mais vivos, minha mão se estende
para ela para amaldiçoá-la. E o trovão ribomba e uma voz proferiu: "Sê
purificado."
Atmosfera pesada. Meu coração se incha. Nada se mexe. Mas eis
um sopro leve, a erva estremece — sê bem-vinda, chuva, tu que suavizas,
tu que salvas! Tudo aqui está seco, vazio, morto; lança gotas novas.
Eis que o raio atinge de novo com ponta aguda e duplo gume
exatamente o centro do coração. E uma voz proferiu: "Espera!"
Um suave perfume sobe do solo; uma rajada de vento e eis a
tempestade que uiva e reclama seus espólios; empurra para diante de si as
flores que estraçalhou. Uma chuva se alegra depois dela.
Batam em pleno coração! Tempestade e chuva! Raio e trovão! Em
pleno coração! E uma voz proferiu: "Sê renovado."