Page 86 - Microsoft Word - FRIEDRICH NIETZSCHE - O Livro do Filosofo.doc
P. 86
Se alguém esconde uma coisa atrás de uma moita, procura-a nesse
preciso local e a encontra; nada há de louvável nessa busca e nessa
descoberta: acontece o mesmo, no entanto, em relação à procura e à
descoberta da "verdade" no domínio da razão. Quando dou a definição do
mamífero e declaro, depois de ter observado um camelo, "eis um
mamífero", uma verdade foi certamente posta à luz, mas é, contudo, de
valor limitado, quero dizer que é inteiramente antropomórfica e que não
contém um único ponto que seja "verdadeiro em si", real e válido
universalmente, abstração feita do homem. Aquele que procura essas
verdades, só procura, no fundo, a metamorfose do mundo nos homens,
aspira a uma compreensão do mundo enquanto coisa humana e obtém, na
melhor das hipóteses, o sentimento de uma assimilação. Como o astrólogo
que observava as estrelas a serviço dos homens e em conexão com sua
felicidade ou infelicidade, semelhante pesquisador considera o mundo
inteiro como ligado aos homens, como o eco infinitamente degradado de
um som original, aquele do homem, como a cópia multiplicada de uma
imagem original, aquela do homem. Seu método consiste em tomar o
homem como medida de todas as coisas: mas em virtude disso parte do
erro de acreditar que teria essas coisas imediatamente diante dele, como
puros objetos. Esquece, pois, as metáforas originais da intuição como
metáforas e as toma pelas próprias coisas.
Não é senão pelo esquecimento desse mundo primitivo de
metáforas, não é senão pelo endurecimento e pelo retesamento do que na
origem era uma massa de imagens surgindo, numa onda ardente, da
capacidade original da imaginação humana, não é senão pela crença
invencível de que este sol, esta janela, esta mesa, é uma verdade em si, em
resumo, não é senão pelo fato de que o homem se esquece como sujeito e
como sujeito da criação artística, que vive com algum repouso, alguma
segurança e alguma coerência: se pudesse sair um só instante dos muros da
prisão dessa crença, estaria imediatamente acabada sua "consciência de si".
Já lhe custa bastante reconhecer que o inseto e o pássaro percebem um
mundo completamente diferente daquele do homem e que a questão de
saber qual das duas percepções do mundo é mais justa, é uma questão
totalmente absurda, uma vez que para responder a isso se deveria já medir
com a medida da percepção justa, isto é, com uma medida não existente.
Mas me parece sobretudo que a "percepção justa" — isto significaria: a
expressão adequada de um objeto no sujeito — um absurdo contraditório:
de fato, entre duas esferas absolutamente diferentes, como o sujeito e o