Page 39 - Leandro Rei da Helíria
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VIOLETA (sem lhe responder): Aqui tendes, senhor, o que valem os melhores manjares do mundo
quando lhes falta uma pedrinha, uma pedrinha pequenina que seja, desse bem precioso chamado
sal.
PASTOR: Grande vai o mal na casa onde não há sal — lá diz a minha Briolanja...
REI: Senhora...
BOBO (gritando, de repente, depois de olhar muito para Violeta): É ela! É ela! Eu bem sabia que já
tinha visto aquela cara! É ela! É Violeta.
REI: Cala-te, cala-te!
BOBO: Não me calo! Já me calei tempo de mais! Durante estes anos todos vi-te fazer asneiras atrás
de asneiras sem nada te dizer. Acompanhei-te sempre, sem nada te dizer. Mas agora não me calo!
Agora sou eu que te ordeno: reconhece o mal que um dia fizeste a tua filha Violeta!
REI: Cala-te, cala-te!
BOBO: Isso é que era bom! Não me calo, não me calo, e não me calo!
REI: Olha a chibata!
BOBO (rindo): Aqui não há chibata!
PASTOR: Nem para os animais!
BOBO: Vá, pede perdão a tua filha Violeta, a única que verdadeiramente te amou, e ficamos por aqui,
que já não aguento mais!
REI: A minha cabeça... A minha cabeça estala...
PASTOR: Agora é que ele fica maluco de vez...
BOBO: Não ligues, que aquilo também é fita...
REI: Sou um pobre cego, senhora! Mas se os olhos não veem, vê o coração.
BOBO (aparte): Por acaso houve alturas em que o coração esteve... um bocado vesgo.
VIOLETA: E que vê o vosso coração?
REI: Vê o rosto claro de uma filha que tive um dia e perdi.
VIOLETA: Vê mal o vosso coração. Porque nunca perdestes uma filha, senhor.
REI: É verdade. Não a perdi. Expulsei-a. Fui eu que a expulsei...
VIOLETA: Apenas porque essa filha, senhor, foi a única sincera de todas as filhas que tínheis. Apenas
porque ela vos disse as palavras verdadeiras, e às vezes os reis só têm ouvidos para as palavras da
lisonja e da mentira.
REI: Dizei-me, senhora, dizei-me se sois quem o meu coração diz.