Page 156 - REVISTA MULHER EDIÇÃO 27
P. 156
CULTURA & ARTE
Uma segunda rapaz encantador em frente à loja, olhando atentamen-
te para o céu. Seu interesse em saber o que ele via fez
com que saísse da loja para desfrutar da mesma visão.
Chance De tanto olhar para o alto foi atingida pelo excremento
de um pássaro bem dentro do olho. Tom disse-lhe que
isso era sinal de sorte! Ela retrucou com um muxoxo,
para amar pois não acreditava que tinha sorte.
Outro dia encontrou novamente Tom nas imedia-
ções do seu trabalho, em frente a um albergue. Pas-
saram momentos agradáveis juntos e ele a levou para
jantar algo mais saudável, já que ela sempre comia
sanduíches ou fast food. Aos poucos eles se conhecem
melhor. Ele sempre chega de bicicleta e depois vai para
seu trabalho voluntário no albergue, bem perto da loja
onde Kate trabalha e onde ele passa a noite.
Aos poucos ele lhe mostra lugares londrinos desco-
nhecidos por ela: ruas estreitas que ligavam as grandes
ruas e avenidas, becos originais e cheios de vida. Ele
também lhe mostra jardins internos com bancos no-
minados por placas, onde cada dono descansava sem
ser incomodado pelos outros, que apenas respeitavam
ILCEA BORBA MARQUEZ
restringindo cada um seu próprio espaço.
Kate tinha uma irmã que, diferente dela, atendia os
psicóloga e psicanalista. membro
da academia de letras do triângulo telefonemas da mãe e ia com relativa frequência à casa
mineiro – altm
dos pais, trazendo notícias cheias de cobranças de lá,
incentivando-a a ir para sua própria casa à noite. Quan-
do não conseguia lugar para dormir, telefonava para o
pai solicitando táxi – seu pai era o taxista que a levava,
então, para dormir em casa. A mãe demonstrava preo-
cupação com sua saúde, com sua alimentação e com os
omédia romântica desenrolada na época má- medicamentos que devia usar diariamente. Quando a
gica do ano – o Natal, quando as cidades e filha estava em casa, ao se deitar, a mãe entoava canções
casas se enfeitam com árvores verdes e bolas de ninar na sua língua croata. Isto lhe provocava tris-
Cvermelhas, fios decorativos prata e/ou brancos tezas e choro, revelando um dos motivos que a levava
numa alusão clara à primavera e à fartura de frutos, em a fugir de sua própria casa, assim como de encarar sua
pleno frio e neve dos países nórdicos, principalmente realidade de refugiada croata, com toda história de per-
a Alemanha – berço deste costume. Só para lembrar, seguições que sofreram e que motivou a fuga familiar
foi o Príncipe Albert, marido da Rainha vitória, quem da terra natal. Recordações plenas de dor e constante-
introduziu este hábito na Inglaterra. mente revividas nos encontros familiares.
Kate – uma refugiada croata, vivendo com sua famí- Uma das noites que se encontrou com Tom, como
lia em Londres, frustrada e, até certo ponto, revoltada sempre na confluência de avenidas movimentadas e
pela sua vida solitária, trabalhando como elfa numa defronte ao albergue, como ela não tinha lugar para
loja natalina, onde chegava diariamente arrastando dormir e já muito cansada, ele a levou para seu aparta-
sua pequena mala de rodinhas. Como não é Natal o mento, onde colocou-a para dormir, não sem antes lhe
ano todo, a remuneração conseguida não lhe dava con- dar um beijo de despedida. Na manhã seguinte, quando
dições de ter apartamento próprio ou alugado e, dia- acordou, ele já não estava no apartamento. Ela se levan-
riamente, tinha que buscar abrigo noturno na casa de tou e seguiu a sua rotina de trabalho.
alguma amiga. Logo cedo do outro dia, saia para ini- O interesse crescente por ele, assentado no conheci-
ciar a jornada diária. Ela tinha um sonho de se tornar mento de suas qualidades pessoais: saúde mental, bem
cantora e artista, para isso buscava ser selecionada a -estar, autocuidado, solidariedade, dedicação ao próxi-
compor elenco nas peças teatrais em lançamento. mo, vida intensa e prazerosa, ao mesmo tempo em que
Um dia, ao tirar a poeira da vitrine, observou um extremamente saudável, sua entrega foi total, apesar de
156 - Mulheres Ed. 27 Mulheres Ed. 27 - 157