Page 52 - 20ª EDIÇÃO REVISTA MULHERES - ALTA RESOLUÇÃO
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os dados: as mulheres que mais morrem
por causas evitáveis na gestação e parto
são as mulheres negras. Elas são também
as que mais sofrem violência obstétrica, o
que também tem intersecção com a ques-
tão de classe. “Em sua maioria por serem
pobres, as mulheres negras não têm aces-
so a uma assistência de qualidade”, disse.
Isso ocorre, segundo ela, porque a saúde da
população negra vem sendo negligenciada
desde sempre. “É algo cultural e estrutural
na sociedade que vivemos”, disse.
Natural de Uberaba, Vanessa é fi-
lha de Solange e neta de Maria Florisce-
na, ambas já falecidas, e possui uma lide-
rança natural, que atrai admiradoras. Tem
orgulho da sua ancestralidade e compar-
tilhou conosco parte das dores e feridas
que marcaram a sua família. São histórias
de solidão, abusos, silêncio e muita tris-
teza. Mas, foi ainda durante a graduação
em enfermagem que Vanessa, grávida,
teve acesso a uma equipe de parto hu-
manizado e decidiu lutar para que ou-
tras mulheres tivessem o mesmo direito.
“Comecei minha formação na obstetrícia,
inicialmente como doula e agora, termi-
nando a especialização, como enfermeira
obstetra”, contou. “Amo o que faço”.
Ela compreende a importância do
Débora Santos
seu trabalho em uma cidade que consi-
dera “coronelista”, onde o racismo é vela-
para inserção das fichas dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave. do e não denunciado, mas existe. “Estudo
A planilha incluiu os casos notificados no país até 14 de julho de 2020, de todos os dias para fornecer subsídios e
onde extraiu os dados de mulheres grávidas e no pós-parto, comparando as informações para que as minhas filhas
informações das classificadas como brancas ou negras. possam se defender desse universo ra-
Mulher preta, Débora é uma das mais importantes pesquisadoras brasi- cista em que vivemos. Sinto que a nossa
leiras das questões étnico-raciais permeando todos os temas da assistência em vida é de militância eterna”, enfatizou.
saúde. Ela é irmã de Daniella Néspoli, artista plástica de Uberaba e explica que, Enquanto caminhava para a con-
no Brasil, a maior mortalidade materna de mulheres pretas por coronavírus clusão deste texto, entrou na roda a his-
implica reconhecer o racismo e o sexismo como determinantes estruturais, que tória de outra mulher que também atrai
moldam piores condições de vida e de trabalho. “A falta de acesso aos cuidados admiração e respeito, apesar de ainda tão
de saúde e oportunidades para a população preta, particularmente mulheres jovem. Carla me chamou pra contar, en-
pretas, explica essa trágica realidade”, disse. tre lágrimas e engasgos de emoção, como
Débora explicou, ainda, que as dimensões de raça, classe e gênero se foi a sua experiência no Thaís Nascimen-
interseccionam quando se fala da saúde das mulheres pardas e pretas. “Os to Beauty Studio, salão especializado em
reflexos são perversos, pois significam, segundo pesquisas já amplamente cabelos afro e administrado pela talento-
desenvolvidas, menos consultas de pré-natal, peregrinação para encontrar sa Thais Nascimento. “Estou feliz demais,
atendimento, retardamento de diagnóstico e tratamento”, contextualizou, estou com o cabelo afro, foi um encontro
destacando ainda as violências obstétricas que abrangem desde insultos muito bonito eu e a Thais. Contamos nos-
verbais a negativa de analgesia no parto. sas histórias. Eu chorei. Ela chorou. Ela
Vanessa Gomes, exemplo de profissional de enfermagem e doula em falou que não esperava por um encontro
Uberaba, conhece bem a realidade descrita por Débora e as histórias de racismo igual foi o nosso”, disse Carla. Há poucos
vivenciadas por mulheres negras. Ela revelou à Revista Mulheres o que provam meses ela fora espancada pelo ex-compa-
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