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ENSAIO


            Engels: um violino de 200 anos


                           Meu infortúnio é que, desde que perdemos Marx, eu deveria representá-lo.
                           Passei a vida inteira fazendo aquilo para que estava preparado, ou seja, to-
                           cando o segundo violino e, de fato, acredito que me saí razoavelmente bem.
                           E fiquei feliz por ter um primeiro violino tão esplêndido quanto Marx. Mas
                           agora que, de repente, devo tomar o lugar de Marx em questões de teoria e
                           tocar o primeiro violino, inevitavelmente haverá erros e ninguém está mais
                           consciente disso do que eu (ENGELS, 1995, p. 202, tradução nossa).


                   Ao contrário do que sugere sua modéstia expressa em carta para Johann Phi-
            lipp Becker enviada em 15 de outubro de 1884, Friedrich Engels foi muito mais do que
            um “segundo violino” para Karl Marx. Autor de uma vastíssima obra, entre livros,
            artigos e cartas, Engels não foi, podemos assegurar sem margem de dúvidas, um mero
            coadjuvante na construção do movimento socialista do século XIX, mas sim um pro-
            tagonista de primeira linha, ao lado de Marx. Quem diz isso não são os seus discípu-
            los, mas sim o próprio Marx em seu famoso Prefácio de 1859. Ali, o autor de O Capital
            admite ter sido Engels quem primeiro alcançou a crítica da economia política com
            “seu genial esboço das críticas das categorias econômicas”, que havia sido publicado
            nos Anais Franco-Alemães em 1844 (MARX, 1999, p. 53).
                   Não obstante pareça atuar na sombra, o fato é que Engels manteve enorme
            protagonismo na construção das principais bases do movimento socialista, ainda que
            isso não seja amplamente divulgado. Um exemplo é o caso do Manifesto comunista,
            de 1848. Embora tanto Marx quanto Engels sejam apresentados como os autores da
            obra, ainda há quem acredite que ela tenha sido escrita majoritariamente por Marx.
            Ledo engano. Com efeito, a gênese do Manifesto está em um texto anterior de Engels,
            Os princípios básicos do comunismo, publicado em 1847. É surpreendente como a análise
            comparada dos dois documentos permite identificar os mais diversos pontos de en-
            contro, não apenas no conteúdo, mas também na forma de organização e exposição
            das ideias. Talvez, mais uma vez, a modéstia do próprio Engels seja a responsável pela
            subestimação de sua participação. Afinal, em diversas ocasiões ele declarou que no
        Revista Princípios      nº 159     JUL.–OUT./2020  crítico das filosofias idealista de Hegel e materialista de Feuerbach, Marx é muitas
            Manifesto “a proposição fundamental pertence a Marx” (ENGELS, 2010, p. 77).
                   No campo da filosofia, Engels também tem destaque. Ao se apresentar como


            vezes visto como o grande pai do materialismo histórico e dialético, ou do socialismo
            científico. Mas a verdade é que foi Engels quem formulou e sistematizou uma teoria
            geral do materialismo histórico, algo que seu companheiro nunca deixou tão explí-
            cito. Isso fica claro em três livros em particular: Dialética da natureza; Anti-Dühring;
            e Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. Por essa razão, foi Engels, e não Marx, a


            Repúblicas Socialistas Soviéticas — URSS (MCLELLAN, 1977, p. 71-72).


     280    grande referência teórica para a filosofia marxista ortodoxa divulgada pela União das
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