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ESPECIAL  BICENTENÁRIO



                 O negacionismo e o ativismo contra as

                 medidas sanitárias colocaram o governo
                 Bolsonaro na condição de execução de                                        Estamos em outro momento polí-

                 uma necropolítica, o que o filósofo Achille                             tico em relação à década de 1970, con-
                 Mbembe conceituou como “o poder social                                  tudo, as políticas sociais continuam
                                                                                         rebaixadas a patamares residuais. A vi-
                 para definir quem morre e quem vive”                                    gilância em saúde ativa demanda bar-
                                                                                         reiras sanitárias com testes em massa de
             O negacionismo e o ativismo con-    rias de prevenção e controle, a censura,   diagnóstico para impulsionar medidas
          tra as medidas sanitárias colocaram    a descrença da gravidade da doença são   de precaução. A proteção social para
          o governo Bolsonaro na condição de     roteiros repetidos de outras experiências   atenção  em  saúde,  assistência  social  e
          execução de uma necropolítica, o que   pandêmicas. O autor também compara      da segurança do trabalho tornam-se
          o filósofo Achille Mbembe concei-      a mobilização social que essas emergên-  necessidades urgentes para garantia da
          tuou como “o poder social para definir   cias sanitárias causam, em um primeiro   dignidade humana. Idealidade estas
          quem morre e quem vive”. Ao relati-    momento, a situação de normalidade      que ainda estamos longe de alcançar.
          vizar  a  gravidade  de  que  muitos  irão   que é seguida a posteriori quando esta   Como enfrentar essa epidemia garan-
          falecer, o racismo do Estado produz    evolui para o patamar de concentração   tindo condições dignas de sobrevivên-
          “mundos de morte” que estabelecem      nos setores mais vulneráveis.           cia com a vigência da Emenda Consti-
          que alguns corpos há permanente pre-       A censura é essencial para o au-    tucional 95 limitando os gastos sociais
          cariedade de vida.                     mento da letalidade, ela empobrece o    no meio de uma crise social?
             Os governos autoritários se revelam   debate público, fragiliza a coesão social   A reflexão sobre os erros do passado
          como estratégias políticas da própria   e atrasa significamente as ações essen-  nos faz repensar o presente, permite re-
          elite dominante para ampliar seu po-   ciais do Estado. O governo Bolsonaro    conectar a ciência em torno das experi-
          der buscando intensificar a exploração   interrompeu a divulgação dos dados    ências e não replicar equívocos. Existem
          do trabalho em determinados perío-     da epidemia em tempo real no site do    diferenças e semelhanças que podem
          dos históricos. Socorrer vidas precisa se   Ministério da Saúde, assim como deli-  trazer estratégias de futuro. Sabemos
          ajustar à demanda de viabilizar o acú-  beradamente foca na divulgação do nú-  que o desenvolvimento das resistências
          mulo de capital a todo momento inde-   mero de casos curados para falsear uma   é um fenômeno conhecido em tempos
          pendente das necessidades sociais colo-  imagem exitosa.                       autoritários. A luta política sempre foi
          cadas. Para isso, as pressões que buscam   As atividades públicas do presiden-  a arma dos alijados do poder, da luta
          narrativas de responsabilização do cui-  te junto aos seus apoiadores são tam-  clandestina ao precariado moderno, a
          dado em saúde para indivíduo - com as   bém alvo de polêmica, os rompimentos   saída é anti-sistêmica e popular.
          desobrigações patronais - e a continui-  com o isolamento social e defesa de
          dade do desmonte das políticas sociais   medicações sem comprovação científi-      SÍLVIA FERNANDES é assistente
          permanecem a todo vapor. O desfinan-   ca fazem uma verdadeira deseducação     social sanitarista, pós-graduanda
          ciamento das políticas sociais acontece   em saúde. A inoperância estatal signifi-  no Programa de Saúde, Ambiente e
          junto a criminalização do pensamento   ca a opção da imunidade de rebanho de   Trabalho da Faculdade de Medicina da
          crítico para manter a ordem de natura-  forma velada, no final das contas, toda a   Universidade Federal da Bahia
          lização das injustiças.                operação do regime, que na pandemia
             O historiador Charles Rosemberg     fica mais cruel e evidente, é a condução    FLÁVIA FERNANDES é bióloga
          analisa que o medo do outro, o descon-  da classe dominante sem compromisso    entomologista, doutora em Ciências
          trole de acesso às informações necessá-  com a saúde coletiva.                 pela Universidade de São Paulo




                                                                                         ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020  135
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