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ESPECIAL BICENTENÁRIO
lio Ribas de São Paulo tinha 300 lei- e tomar medidas de controle sanitário. seguiu uma entrevista exclusiva com o
tos disponíveis, mas chegou a internar Suspendeu aulas, mandou estudantes novo ministro da saúde, o médico sa-
1200 pessoas com meningite. Nessa para casa, e em algumas cidades foram nitarista Paulo de Almeida Machado.
época a epidemia chegou ao seu auge, instalados hospitais de campanha. Ain- Pela primeira vez alguém do governo
e até hoje os números não são claros, da assim, o controle de censura sobre admitia publicamente a existência de
a política da ditadura não permitiu o tema se manteve por algum tempo. uma epidemia no Brasil, mas este texto
que eles fossem esclarecidos. O que se Em julho de 74, o jornalista Clóvis também foi censurado. Pouco depois
sabe é que em 1974, pelo menos 67 mil Rossi foi censurado, e no lugar do texto os militares importaram 80 milhões
pessoas tinham sido contaminadas em “Epidemia de silêncio” previsto para a de doses de vacina contra a meningi-
sete estados brasileiros, sendo 40 mil capa do jornal, o Estadão precisou pu- te da França. Para fazer a população ir
somente no estado de São Paulo, uma blicar trechos do poema “Os Lusíadas” aos postos de saúde o governo, enfim,
proporção de 200 casos para cada 100 de Camões. Se o texto tivesse saído ele começou-se a falar sobre a epidemia. O
mil habitantes. Em 1974, quando a ver- diria: “Desde que, há dois anos aproxi- real tamanho da epidemia de meningi-
dade veio à tona, a população entrou madamente, começaram a aumentar te dos anos 70 até hoje é um mistério,
em pânico. Com medo da propagação em ritmo alarmante os casos de me- é impossível saber quantos morreram,
da doença, as pessoas evitavam passar ningite em São Paulo, as autoridades porque a ditadura achou mais conve-
na frente dos hospitais. De dentro de cuidaram de ocultar fatos, negar infor- niente esconder os números e deixar
carros e ônibus, fechavam suas janelas. mações, reduzir os números referentes a população sem assistência e sem in-
Na falta de remédios e de vacinas, re- à doença a proporções incompatíveis formação. Sabemos que a epidemia
corriam a panaceias milagrosas, como com a realidade – ou seja, levando, foi grande sem poder mensurar pre-
a cânfora. Naquela época, não havia deliberadamente, a desinformação à cisamente, e ainda a quem diga que a
rede social, mas já existiam “fake news” população e abrindo caminho para meningite foi a verdadeira responsável
e como sempre os boatos atrapalham que boatos ocupassem rapidamente o pelos Jogos Pan-Americanos de 1975
bastante a propagação das informa- lugar que deveria ser preenchido por terem acontecido no México, pois ini-
ções corretas. fatos. Fatos que as autoridades tinham cialmente estavam previstos para se-
Em 1974, um outro general, Ernes- a obrigação, por todos os títulos de es- rem realizados no Brasil, mas evidente-
to Geisel, assumiu a presidência. Três clarecer ampla e totalmente.” mente alguém fora do país tinha mais
anos depois do início da epidemia, a di- Também em 1974, a jornalista informações sobre a nossa situação do
tadura finalmente começou a se mexer Eliane Cantanhêde, da revista Veja, con- que nós mesmos.
O real tamanho da
epidemia de meningite
dos anos 70 até hoje é
um mistério, é impossível
saber quantos morreram,
porque a ditadura achou
mais conveniente esconder
os números e deixar a
população sem assistência
e sem informação
ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 133