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ESPECIAL  BICENTENÁRIO


            ODE AO BURGUÊS - Mário de Andrade


            Eu insulto o burguês! O burguês-níquel                  Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!
            o burguês-burguês!                                      Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
            A digestão bem-feita de São Paulo!                      “— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
            O homem-curva! O homem-nádegas!                         — Um colar… — Conto e quinhentos!!!
            O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,        Más nós morremos de fome!”
            é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!                    Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
            Eu insulto as aristocracias cautelosas!                 Oh! purée de batatas morais!
            Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!  Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
            Que vivem dentro de muros sem pulos,                    Ódio aos temperamentos regulares!
            e gemem sangue de alguns mil-réis fracos                Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
            para dizerem que as filhas da senhora falam o francês   Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
            e tocam os “Printemps” com as unhas!                    Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
            Eu insulto o burguês-funesto!                           sempiternamente as mesmices convencionais!
            O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!    De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
            Fora os que algarismam os amanhãs!                      Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
            Olha a vida dos nossos setembros!                       Todos para a Central do meu rancor inebriante!
            Fará Sol? Choverá? Arlequinal!                          Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
            Mas à chuva dos rosais                                  Morte ao burguês de giolhos,
            o êxtase fará sempre Sol!                               cheirando religião e que não crê em Deus!
            Morte à gordura!                                        Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
            Morte às adiposidades cerebrais!                        Ódio fundamento, sem perdão!
            Morte ao burguês-mensal!                                Fora! Fu! Fora o bom burguês!…



                  Alerta - Oswald de Andrade

                            Lá vem o lança-chamas
                           Pega a garrafa de gasolina
                                     Atira
                         Eles querem matar todo amor
                              Corromper o polo
                    Estancar a sede que eu tenho doutro ser
                            Vem do flanco, de lado
                               Por cima, por trás
                                     Atira
                                     Atira
                                    Resiste
                                   Defende
                                    De pé
                                    De pé
                                    De pé                                                                    Oswald de Andrade
                                                                                                             retratado por Tarsila
                      O futuro será de toda a humanidade                                                     do Amaral



                                                                                         ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020  129
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