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ESPECIAL BICENTENÁRIO 2022
1822
Porém, o evento de 22 só ocorreu com clarando “Queremos a revolução Ca-
as dimensões que teve, porque contou rayba, maior que a revolução francesa.
com recursos financeiros obtidos de e A unificação de todas as revoltas efica-
por Paulo Prado; grande parte de seu zes na direção do homem. Sem nós a
próprio bolso e de outros que ele capi- Europa não teria sequer a sua declara-
taneou. Quem sustentou as condições ção dos direitos do homem (...)”
financeiras para realização retumban- Sem dúvidas, dois ápices da trilha
te da semana foi um membro de tradi- de um modernismo em direção ao
cional família de cafeicultores paulista. povo, cada um a seu modo, ocupado
Sem esse financiamento, a Semana em desvendar e retratar a realidade na-
não teria as mesmas condições de pro- cional buscando estar na porção insub-
gramação, produção e inserção na im- missa aos esquemas do capital.
prensa como evento relevante, mesmo Em sentido totalmente oposto, no
que sob contestação e críticas. mesmo período desses mergulhos mo-
A adesão desse membro do capital dernistas nas contradições na história
agrário-industrial tem seu peso na ava- brasileira, Paulo Prado, o financiador
liação do caráter disruptivo real com da semana, escreveu entre os anos de
o passado colonial, embora não tenha 1926 e 1928, Retrato do Brasil: Ensaio
comprometido os desdobramentos fu- sobre a Tristeza Brasileira. Trata-se de
turos que desembocam na vinculação um compêndio rebuscado de concei-
política ao campo progressista e mes- tos elitistas, machistas e racistas, em-
mo à esquerda de alguns de seus pro- polando um linguajar pretensamente
tagonistas. Há certo consenso na clas- vanguardista, que não deixa esconder
sificação da cronologia do movimento seu lugar de herdeiro de fortuna escra-
iniciado em 1922, tendo 1930 como vagista, para quem, mesmo sob a égi-
divisor de água para a escolha de cami- de do republicanismo que se almejava
nhos políticos. inovador, o negro seguia sendo não
Nesse aspecto, é significativo que, somente um problema, mas quase um
em 1928, três de seus próceres publi- culpado pela sua sorte e pela desgraça
quem obras em que expressam os mo- dos destinos nacionais. Prado pensava
dos de entender e os projetos para o que:
Brasil e o “povo brasileiro”. Mário de “O mal porém, roía mais fundo.
Andrade publicou seu mais emble- Os escravos eram terríveis elmento de
mático romance, Macunaíma, em que corrupção no seio das famílias. As ne-
transborda a vocação arguta do popu- gras e mulatas viviam na prática de
lar ao construir narrativas como: “A todos os vícios. (…) começavam a cor-
máquina não era deus não, nem pos- romper os senhores moços e meninas
suía os distintivos femininos de que dando-lhes as primeiras lições de liber-
o herói gostava tanto. Era feita pelos tinagem. Os mulatinhos e crias eram
homens.” perniciosíssimos. Transformavam as
No mesmo ano, Oswald lançou casas, segundo a expressão consagrada
o Manifesto Antropofágico no número e justa, em verdadeiros antros de de-
inaugural da revista Antropofagia, de- pravação.” (PRADO, 1981. p. 103)
De cima pra baixo: capa do programa da
Semana de Arte Moderna de 22, autoria de
Di Cavalcanti; Manifesto Antropofágico e
126 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 capa do catálogo da exposição