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ESPECIAL BICENTENÁRIO
É desse lugar de classe que Prado dos partidos oligárquicos. Basta notar mundial de Wall Street. O modernis-
conclui em seu livro que a urgência que, pelo menos até 30, os próceres do mo é um diagrama, da alta do café, da
para o Brasil era a “renovação total”, modernismo se mantêm na órbita desses quebra e da Revolução Brasileira” (AN-
diante da possibilidade de ascensão de partidos (Oswald no PRP; Mário de An- DRADE, O. p. 83, 2003)
um “frequentador de cafés, como Le- drade e Sérgio Millet no PD). Depois de
nin”. Aflições e desejos que antecede- 30, há uma “politização” das questões As análises de Mário e Oswald, nos
ram o que o Estado Novo lhe deu ao culturais e o tema da modernização fica anos 1940, dão a ver questões que atra-
assegurar a continuidade da lógica da integralmente subsumido ao da constru- vessam toda a história da produção cul-
acumulação para ricos, baseada na ló- ção de um projeto nacional.” (LAHUER- tural brasileira. Assim como no século
gica da exploração da maioria pobre, TA, p. 97, 1997) XIX os imperadores destinavam bolsas
e a cadeia para quem questionasse tal de estudos na Europa, a exemplo da que
ordem. Num primeiro momento de balan- recebeu Carlos Gomes, os republicanos
As três produções citadas são con- ço na década de 1940, quando a Semana no início do século XX patrocinavam
temporâneas, gestadas no bojo do pri- completou vinte anos, Mário e Oswald, eventos modernistas, bolsas de estudos,
meiro período do modernismo, realiza- manifestaram total ciência dessa condi- viagens, revistas e coleções de arte.
das por intelectuais orgânicos presentes ção. Mário em 1942, afirmou Nos anos 1930 de forma mais acen-
dentre os que ajudaram a agregar as “E tempo houve, até o momento tuada, o aparato do Estado passou a
condições objetivas e subjetivas para em que o Estado se preocupou de exigir organizar mecanismos para capturar
o evento cultural de 22, mas em 1928, do intelectual a sua integração no corpo criadores culturais, tanto sob a forma
cada qual em sua condição de classe se o regime, tempo houve em que, ao lado de aliciamento, silenciamento e encar-
via face a face com realidade concreta de movimentos mais sérios e honestos, ceramento. Mas, sempre encontrou re-
da vida material que cindia seus mun- o intelectual viveu de namorar com as sistências.
dos: os donos do poder e os trabalhado- novas ideologias do telégrafo (...) na O financiamento do trabalho cul-
res, da fábrica, da lavoura e da cultura. verdade, os homens de pouca vergonha tural pela elite econômica é uma das
Sobre o papel do intelectual nesse aparecem em qualquer época, muito mais antigas permanências na história,
período Lahuerta afirma, embora as condições sociais do intelec- a cada tempo recolocando suas nuances
“Uma intelectualidade que, mes- tual contemporâneo e o adubo dos impe- e contradições. Contudo, esse exercício
mo marcada pelo industrialismo e pelo rativos econômicos estejam se demons- de poder nunca foi garantia de total su-
maquinismo (...) não é capaz de reco- trando muito favoráveis à proliferação bordinação por parte dos trabalhadores
nhecer plenamente a importância da de semelhantes cogumelos (ANDRADE, criadores, embora sempre tenha sido
classe trabalhadora emergente. No es- M., p. 187, 1974) exercido pelas classes dominantes como
sencial, a intelectualidade modernista, uma prática explícita para demarcar li-
mesmo suas figuras mais radicais, pre- Em 1944, em evento em Belo Ho- mites e colocar sob condição de tutela
sa a uma visão de cultura tradicional rizonte, a convite de Juscelino Kubits- os trabalhadores da cultura.
e preocupada em construir a cultura chek, Oswald declara; Como todo constructo social, o mo-
nacional, quando “foi ao povo”, o fez “É preciso compreender o moder- dernismo --enquanto ação disruptiva de
esperando encontrar nas manifestações nismo com suas causas materiais e fe- uma forma cultural ultrapassada-- não
populares uma matéria-prima pura e cundas, hauridas no parque industrial se deu fora da ordem sistêmica, portan-
dotada de autenticidade, à qual caberia de São Paulo, com seus compromissos de to não pode ser analisado apenas em
dar forma final mediante um trabalho classe, no período áureo burguês do pri- sua face mais aparente, de movimento
de síntese eminentemente intelectual. A meiro café valorizado, enfim com o seu artístico, mas como resultante das fric-
política, essa atividade, quando a exer- lancinante divisor das águas que foi a ções entre as múltiplas determinações
ceram, continuaria a se dar nos marcos Antropofagia, nos prenúncios do abalo da infraestrutura e a superestrutura.
ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 127