Page 129 - EP 11 completa
P. 129

ESPECIAL  BICENTENÁRIO



             É desse lugar de classe que Prado         dos partidos oligárquicos. Basta notar   mundial de Wall Street. O modernis-
          conclui em seu livro que a urgência          que, pelo menos até 30, os próceres do   mo é um diagrama, da alta do café, da
          para o Brasil era a “renovação total”,       modernismo se mantêm na órbita desses   quebra e da Revolução Brasileira” (AN-
          diante da possibilidade de ascensão de       partidos (Oswald no PRP; Mário de An-   DRADE, O. p. 83, 2003)
          um “frequentador de cafés, como Le-          drade e Sérgio Millet no PD). Depois de
          nin”.  Aflições e desejos que antecede-      30, há uma “politização” das questões   As análises de Mário e Oswald, nos
          ram o que o Estado Novo lhe deu ao           culturais e o tema da modernização fica   anos 1940, dão a ver questões que atra-
          assegurar a continuidade da lógica da        integralmente subsumido ao da constru-  vessam toda a história da produção cul-
          acumulação para ricos, baseada na ló-        ção de um projeto nacional.” (LAHUER-  tural brasileira.  Assim como no século
          gica da exploração da maioria pobre,         TA, p. 97, 1997)                  XIX os imperadores destinavam bolsas
          e a cadeia para quem questionasse tal                                          de estudos na Europa, a exemplo da que
          ordem.                                     Num primeiro momento de balan-      recebeu Carlos Gomes, os republicanos
             As três produções citadas são con-  ço na década de 1940, quando a Semana   no  início  do  século  XX  patrocinavam
          temporâneas, gestadas no bojo do pri-  completou vinte anos, Mário e Oswald,   eventos modernistas, bolsas de estudos,
          meiro período do modernismo, realiza-  manifestaram total ciência dessa condi-  viagens, revistas e coleções de arte.
          das por intelectuais orgânicos presentes   ção. Mário em 1942, afirmou             Nos anos 1930 de forma mais acen-
          dentre os que ajudaram a agregar as              “E  tempo  houve,  até  o  momento   tuada, o aparato do Estado passou a
          condições objetivas e subjetivas para        em que o Estado se preocupou de exigir   organizar mecanismos para capturar
          o evento cultural de 22, mas em 1928,        do intelectual a sua integração no corpo   criadores culturais, tanto sob a forma
          cada qual em sua condição de classe se       o regime, tempo houve em que, ao lado   de aliciamento, silenciamento e encar-
          via face a face com realidade concreta       de movimentos mais sérios e honestos,   ceramento. Mas, sempre encontrou re-
          da vida material que cindia seus mun-        o intelectual viveu de namorar com as   sistências.
          dos: os donos do poder e os trabalhado-      novas ideologias do telégrafo (...) na   O financiamento do trabalho cul-
          res, da fábrica, da lavoura e da cultura.    verdade, os homens de pouca vergonha   tural pela elite econômica é uma das
             Sobre o papel do intelectual nesse        aparecem em qualquer época, muito   mais antigas permanências na história,
          período Lahuerta afirma,                     embora as condições sociais do intelec-  a cada tempo recolocando suas nuances
                   “Uma intelectualidade que, mes-     tual contemporâneo e o adubo dos impe-  e contradições. Contudo, esse exercício
               mo marcada pelo industrialismo e pelo   rativos econômicos estejam se demons-  de poder nunca foi garantia de total su-
               maquinismo (...) não é capaz de reco-   trando muito favoráveis à proliferação   bordinação por parte dos trabalhadores
               nhecer plenamente a importância da      de semelhantes cogumelos (ANDRADE,   criadores, embora sempre tenha sido
               classe trabalhadora emergente. No es-   M., p. 187, 1974)                 exercido pelas classes dominantes como
               sencial, a intelectualidade modernista,                                   uma prática explícita para demarcar li-
               mesmo suas figuras mais radicais, pre-  Em 1944, em evento em Belo Ho-    mites e colocar sob condição de tutela
               sa a uma visão de cultura tradicional   rizonte, a convite de Juscelino Kubits-  os trabalhadores da cultura.
               e  preocupada  em construir  a  cultura   chek, Oswald declara;               Como todo constructo social, o mo-
               nacional,  quando “foi ao povo”,   o  fez    “É preciso compreender o moder-  dernismo --enquanto ação disruptiva de
               esperando encontrar nas manifestações   nismo com suas causas materiais e fe-  uma forma cultural ultrapassada-- não
               populares uma matéria-prima pura e      cundas, hauridas no parque industrial   se deu fora da ordem sistêmica, portan-
               dotada de autenticidade, à qual caberia   de São Paulo, com seus compromissos de   to  não  pode  ser  analisado  apenas  em
               dar forma final mediante um trabalho    classe, no período áureo burguês do pri-  sua face mais aparente, de movimento
               de síntese eminentemente intelectual. A   meiro café valorizado, enfim com o seu   artístico, mas como resultante das fric-
               política, essa atividade, quando a exer-  lancinante divisor das águas que foi a   ções entre as múltiplas determinações
               ceram, continuaria a se dar nos marcos   Antropofagia, nos prenúncios do abalo   da infraestrutura e a superestrutura.




                                                                                         ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020  127
   124   125   126   127   128   129   130   131   132   133   134