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ESPECIAL BICENTENÁRIO
Foto: Arquivo Brasil
A semana de Arte Moderna de
1922, na realidade, teve três dias de ativi-
dades no Teatro Municipal de São Pau-
lo: em 3 de fevereiro (segunda-feira),
houve mostras de pinturas e esculturas
e uma conferência de Graça Aranha, in-
titulada “A emoção estética da Arte Mo-
derna”; em 15 de fevereiro (quarta-fei-
ra) participou Guiomar Novaes, figura
que destoava dos artistas modernistas,
executando clássicos e foi aplaudida.
Na sequência, palestra de Menotti del
Picchia sobre os novos escritores, rece-
bendo muitas vaias, aplausos e ruídos
diversos como miados, latidos, grunhi-
dos, relincho (parte da encenação?). Em
seguida Ronald de Carvalho declama
Os Sapos, poema de Manuel Bandeira,
efusiva crítica ao parnasianismo. No
último dia, 17 de fevereiro (sexta-feira)
foi a vez de apresentações musicais de Grupo organizador da Semana de Arte Moderna de 1922, com Oswald de Andrade à frente
Villa-Lobos, com público reduzido, o (sentado no chão)
músico entrou de casaca, mas com um Sem dúvida o evento ocorrido en- Assim, a Semana foi sendo trans-
pé calçado com um sapato, e outro com tre 13 e 17 de fevereiro de 1922 foi, na mutada em uma verdadeira instituição
chinelo; o que foi entendido como ges- origem, organizado para amplificar um nacional, um dos “fatos” constitutivos
to futurista que provocou enorme vaia. desejado logro publicista para nomes, da consolidação cultural de uma nação
Depois o músico informou que estava obras e princípios políticos que se anun- (moderna ou não) e de um povo bra-
com um calo inflamado e não se tratou ciavam como vocalizações da ruptura sileiro, termos que abrigam múltiplos
de ato político. com um determinado passado descrito enfoques e debates.
Olhando somente para essa progra- por: atraso técnico, subordinação cultu- Nestes quase cem anos de existên-
mação, a mostra foi apenas um evento. ral aos cânones coloniais e ausência de cia, nos meios institucionais, midiáti-
Para falar sobre a icônica Semana de uma subjetivação local. As causas estru- cos e editoriais, a Semana segue sendo
Arte Moderna de 1922, é necessário turais desses condicionantes do “atraso” aplaudida e vaiada. Sua significância
olhar para os vários tempos que com- não fizeram parte do roteiro da ruptura oscila de acordo com a forma como
põem sua significação como marco que, entre aplausos e vaias, subiu ao pal- suas contradições internas se afinavam
histórico da cultura nacional. Como co do Teatro Municipal de São Paulo. ou não com as sutis utilidades das cele-
constructo cultural de múltiplas inter- Os méritos do evento como ato brações culturais oficiais; ou seja, sob os
pretações, o significado da Semana ad- inaugural se devem mais aos vários mo- efeitos de como cada novo tempo reedi-
vém de um conjunto de determinantes vimentos e publicações que se deram ta velhos embates políticos.
presentes em seus antecedentes, em sua nas décadas seguintes, e que qualificam Nos estudos acadêmicos também
temporalidade histórica como evento e esses três dias como um dos aconteci- tem recebido análises diversas, cada vez
em seus vários e complexos momentos mentos que espelham as contradições mais como um fenômeno cultural obri-
de revisitação como “fato histórico”. de seu tempo. gatório no estudo do campo cultural,
ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 123