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porque eu queria ir junto, mas nem sempre quando, num posto de saúde da cidade em
eu podia ir. Às vezes, ele ia pescar com os que cresci, um menino negro havia se
amigos e levava meu irmão - e só o mais sentado próximo a mim. Lembro-me de ter
velho, porque o outro nunca gostava de ir. levantado e encostado em minha mãe, que
Eu queria muito ir com meu pai, tomar logo em seguida me perguntou o motivo de
banho de rio, assim como meu irmão fazia,
mas ele sempre dizia (diz até hoje): a presa eu ter saído dali. Eu disse que não queria
não é lugar para menina; você não pode sentar do lado daquele menino, porque ele
tomar banho lá porque só vai ter homem. era preto, ele fedia. Minha mãe, naquele
Eu ficava muito triste, pois não entendia o instante, mudou completamente de
porquê do meu irmão poder ir tomar banho postura, falou firme comigo, disse que eu
e eu não. Esse sentimento de não saber o não poderia tratar ninguém daquela forma
porquê de você estar tendo restrições por e me perguntou: Seu pai fede? Se o menino
ser menina é muito doloroso. é preto e fede, seu pai também fede.
Naquele dia, eu percebi que meu pai era
Os pares e a preto.
É descobrindo o outro e me
descoberta do outro descobrindo que o processo de
desenvolvimento social se constitui. Como
uma colcha de retalhos, em que com várias
A escola e a família são grandes partes de influência eu costuro a grande
influenciadores nesse processo de colcha que é a personalidade.
desenvolvimento social. Se em casa eu
conhecia apenas o que era apresentado pela
minha família, entrando em contato com
meus pares na escola eu descobria um outro
mundo. Lembro-me muito bem de uma
colega minha que não tinha TV em casa e eu
só conseguia pensar para qual lugar os
móveis da sala dela eram direcionados,
porque na minha casa todos os móveis da
sala eram arrumados pela minha mãe em
função da TV.
Lembro-me que era ainda muito
pequena, com os meus cinco ou seis anos,