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conteúdos, fundada na separabilidade entre significado e significante (de que deriva a importância maior e mais elevada concedida ao primeiro), entre o léxico e as vozes/ oralidades/coloquialidades e entre, portanto, mente e corpo. Seria, nesse percurso unilinear, absolutamente necessário mostrar o crescimento progressivo de uma “ideia” e de um “significado”, cada vez mais “profundo” e “humano”, do nosso autor.Barthes já dissera: “A cultura francesa sempre privilegiou muito, ao que parece, as “ideias” ou, para falar de modo mais neutro, o conteúdo das mensagens. Ao francês importa o ‘algo a dizer’.” (“A face barroca”, em O Rumor da língua, Brasiliense, 1988, p. 244). A pressão interpretativa de se perseguir uma síntese totalizante no plano do significado corre sempre o risco de desprezar o corpo a corpo intersticial daqueles complexos componentes que constituem, no final das contas..., um poema: “...os gestos e os tons, os signos mímicos, acústicos e motores, que dão expressão e matiz significativo às palavras” (WELLERSCHOFF, “Literatura y práxis”, Guadarrama, 1975, p. 75).E também Susan Sontag, já em 1964, clamava: “Em vez de uma hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte” (“Contra a interpretação”, L&PM, 1987, p. 23).
Não esqueçamos também, à época de Vallejo, do positivismo invasor das Repúblicas latino-americanas, ocupado numa educação e formação intelectual centrada nas classificações binárias: ordem e desordem, alto e baixo, o maior e o menor. As interações entre as partículas e corpúsculos da cultura, das linguagens e dos afetos cantantes e dançantes, que expandem os sentidos pelos ritmos, eram consideradas coisas de um povo mestiço e selvagem que não tinha o que fazer.
Enfim, estamos diante do dilema do “ser” (o que é que issoé?; o que é que ele quer afinal dizer?),a saber: diante daquilo que o brasileiro Oswald de Andrade, parente xamânico de Vallejo, traduziu como “tupi or not tupi / that is the question”. E o mesmo César Vallejo disse-o de várias maneiras: “Lo que importa principalmente en un poema es el tono con que se dice una cosa y, secundariamente, lo que se dice.” (VALLEJO, Obras completas 4, El arte y la revolución, p. 79).Daí que o autor de Trilce exigisse, em vez da “vontade indigenista”, localista, mentalista e conteudista, uma “sensibilidade indígena” (VALLEJO, Variedades, núm. 1025, Lima, 22/10/1927), está já impregnada animalmente em todos os atos grandes e pequenos. Num poema tal sensibilidade anímica deve dilatar-se encravada não só nos desdobramentos lexicais, macro-estéticos, mas numa extensão de sentidos possíveis nos planos micro-estéticos, em que se dão as mediações mínimas entre língua, corpo e ambiente.
Pequenos sons dançantes e seus arredores
Trata-se aqui de um soneto (do italiano sonetto, “pequena canção, ou literalmente, pequeno som”); mas um soneto enviesado, conduzido como filigrana sonora que busca ritmos de canto e dança. 11 versos decassílabos (hendecassílabos em castelhano) dialogam ricamente com 2 heptassílabos (octassílabos em castelhano) e mais 1 eneassílabo (decassílabo em castelhano), distribuídos certeiramente no terceiro verso da primeira estrofe e primeiro e terceiro versos da segunda estrofe. No Brasil, diríamos que poderia ser lido ou cantado como uma peça de samba-canção, ou talvez, sambolero.
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