Page 58 - trilce
P. 58
XXXIV
SIEN EN
Sílaba: por uma política da alegria
Ressalta aqui um fenômeno grato e marcante na produção das culturas poético-musicais do continente, que César Vallejo leva a grandes desdobramentos: a enumeração compactada e ampliada, marchetada de dobras-e-curvas em cor/som/voz, que coloca em cena, nas formas em movimento de alta voltagem fonética, a alegria solar dos gestos gráfico-sonoros. A linha de tristeza e dor dos significados é invadida pela alegria erótica do baile, o que aumenta em muito a complexidade da composição. A complexidade da composição cresce com a recarga das formas em movimento da alegria recompondo o âmbito da tristeza. Parece que vemos aqui o cholo Vallejo dançando feliz em seu bairro. (Não se pode deixar de ler, a respeito, “Trilce: húmeros para bailar”, de Pedro Granados, VASINFIN, 2014.) Isto porque as sílabas, no caso, montam uma linguagem aglutinante que rompe o caráter flexional e linear da língua, mesmo quando, como neste T. XXXIV, Vallejo não destripa as palavras ou incrusta-as em implosões sintáticas e ortográficas de toda ordem. O ritmo coloquial encadeado nas nervuras dos códigos nativos é suficiente para abalar as ontologias importadas.
A paixão dos ritmos silábicos está distribuída por toda a obra e vida do poeta. Vai aqui um parco exemplo, tirado do conto Liberación, de Escalas Melografiadas: “Suenan esas notas, y desusada sugestión ejercen ahora en mi espíritu, hasta el punto de casi sentir la letra misma de la canción, engarzada sílaba por sílaba, o como clavada com gigantescos clavos en cada uno de los sonidos errantes. (...) Las notas se cruzan, se iteran, patalean, chirrían, vuelven a iterarse, destrozan tímidos biseles”. (VALLEJO, Obras Completas2, Laia, Barcelona, 1980, p. 43-4). A condição estética, ética e política, combinadas, se concentram, por assim dizer, na biosemiosfera das sílabas, que aglomeram os pequenos gestos vitais, sentimentais e vocais, em todas as menores, invisíveis e imprevisíveis atitudes diárias.Isto já era praticado por Vallejo em Trilce, cinco anos antes de escrever em “Ejecutoria del arte socialista” (Variedades, núm. 1.075, Lima, 6/10/1928): “Porque la estética socialista no debe reducirse a los temas, al sentido político ni a los recursos metafóricos del poema. No se reduce a introducir palavras a la moda sobre economia, dialéctica o derecho marxista. (...) La estética socialista debe arrancar unicamente de uma sensibilidade honda y tacitamente socialista”.
Alguma tradução
Agora nos dispomos a enfrentar um belo problema frente ao que podemos chamar uma teoria oculta da tradução em César Vallejo. Diz o poeta: “Lo que se dice es, en efecto, susceptible de pasar a otro idioma, pero el tono con que eso se dice, no. El tono queda inamovible en las palavras del idioma original en que fue concebido y creado. (...) Los mejores poetas son, en consecuencia, menos propicios a la traducción” (“Electrones de la obra de arte”, em El arte y la revolución, Obras Completas 4, Laia, Barcelona, p. 79).Para nós, por meio de uma esquiva negativa, Vallejo está querendo dizer que, liberada a poesia da couraça lexical, a tradução parte da sua aparente impossibilidade colada ao ritmo e tonalidade dos versos, para, através de aproximações do jogo sempre
VOLVER AL ÍNDICE