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REVISTA Luiz Signates
Artigo é professor da UFG e da
PUC-Goiás, graduado em
Comunicação Social e Jornalismo
Política sem corrupção.
Sim, é possível. Mas, somente se for política
A pergunta é atual e instigante e me foi feita, tempos atrás, por
um professor de filosofia. Refletir a respeito da corrupção na política
indica não o abandono da política, e sim sua qualificação.
rimeiro, é preciso que se saiba do dizer. Em outras palavras: dizem o rupção praticamente inexista?
que estamos falando. Ou, o que é, que se deve dizer, seja para atender Para responder a esta pergunta,
Pafinal, corrupção? O senso comum demandas da população, seja para é preciso que se tenha a consciência de
costuma pensar a corrupção a par- vencerem disputas eleitorais. Um que estamos falando de política, não de
tir da moralidade privada. Corrupção, político, numa democracia represen- outra coisa. Isso significa que, para que
nesse sentido, seria o produto de uma tativa, como a nossa, deve ser a voz algo aconteça, é necessário que haja o
virtude, fundada na existência de pes- daqueles a quem representa, e não a contexto social e histórico propício. E é
soas absolutamente honestas, ilibadas, voz de si próprio. Assim, ele dirá que aí que eu gostaria de chamar a atenção
incorruptíveis. Essas pessoas agiriam concorda com coisas que discorda, para uma peculiaridade especificamen-
de forma limpa, sempre desinteres- se essa for a exigência do cargo que te brasileira.
sada, não mentiriam jamais, seriam ocupa. E isso não é corrupção. Isso é Uma política sem corrupção de-
completamente sinceras o tempo todo política. manda uma sociedade que a construa,
e, sobretudo, não beneficiariam grupos Sob essa interpretação, a políti- a partir de si própria. Com isso quero
específicos com seus atos, e sim a so- ca sem corrupção não apenas é possí- dizer que a corrupção existente é sus-
ciedade inteira, sempre. vel, mas existe no Brasil, e mais do que tentada por uma cultura de leniência
Se a ausência de corrupção for se pensa. Há políticos que não se apro- com a corrupção que existe interioriza-
isso, então não há como admitir a pos- priam privadamente de bens públicos, da na vivência social. Uma sociedade
sibilidade de uma resposta afirmativa à mesmo que busquem atender deman- para a qual as regras podem ser bur-
indagação feita. Não há e nunca haverá das de seus aliados. Há políticos que ladas cria as condições culturais para
uma sociedade feita apenas de homens não furtam dos cofres públicos, mesmo que seus dirigentes também burlem as
perfeitos, corretos e honestos sob to- regras. E, em sociedades assim, as pes-
dos os pontos de vista. E, pior, todas soas votam em corruptos e, às vezes,
as ações administrativas ou políticas “ UMA POLÍTICA SEM até os invejam.
sempre beneficiam alguns em prejuízo CORRUPÇÃO DEMANDA UMA Eis porque o que estamos viven-
de outros. A administração do Estado, SOCIEDADE QUE A CONSTRUA, do no Brasil hoje é algo que merece
por exemplo, toma de todos e aplica de muita reflexão.
volta, de forma seletiva, ainda que seja A PARTIR DE SI PRÓPRIA. Sem dúvida, a nossa classe mé-
corretamente para beneficiar os menos COM ISSO QUERO DIZER QUE dia protesta contra a corrupção. Entre-
assistidos e corrigir distorções e desi- tanto, faz isso de forma moralista, sem
gualdades sociais e econômicas. A CORRUPÇÃO EXISTENTE romper com o individualismo, sem mo-
Assim, temos que trazer uma É SUSTENTADA POR UMA vimentar autocrítica e, sobretudo, sem
definição mais precisa de corrupção, e, CULTURA DE LENIÊNCIA COM perceber a politização de seu próprio
no caso, penso eu, menos dependente movimento. O moralismo individualis-
da moralidade privada. Corrupção é a A CORRUPÇÃO QUE EXISTE ta não constrói política; é o protesto
apropriação privada de bens públicos, INTERIORIZADA NA VIVÊNCIA pelo protesto. Somos contra sem ter ao
fora do marco legal (evidentemente, certo aquilo ao qual somos a favor. As
eu falo em “bem público” não somente SOCIAL ” pessoas que foram às ruas hoje que-
no sentido patrimônio, e sim em re- rem o PT fora do poder, mas não sa-
ferência a qualquer coisa relativa ao que interesses privados busquem be- bem quem, nem o quê querem colocar
interesse público). Um agente públi- neficiá-los para estarem próximos do no lugar.
co, quando desobedece as regras, be- poder que eles representam. Há, mais Por esta razão, alguns dos parti-
neficiando-se ou beneficiando alguém do que se pensa, políticos honestos e dos que alojam em si os políticos mais
privadamente, está se corrompendo. sinceros, que, de tão duros, são vistos corruptos do país estão na articulação
Esse agente é honesto ou não? É vir- como politicamente inábeis, como go- desse movimento. Partidos que apoiam
tuoso ou não? Isso não importa. Ele vernantes que não sabem ouvir, e cuja o movimento não porque sejam contra
não deve apropriar-se privadamente trajetória, não raro, se torna curta, em a corrupção (teoricamente, até para
do que é público e deve impedir, den- razão disso. manter as aparências, todos os par-
tro do possível, que isso aconteça. É De modo que, sim, é possível tidos e políticos são contra a corrup-
isso o que importa. uma política sem corrupção. Mas, pen- ção), e sim porque estão fora do poder,
Esse agente público, na condi- so que a pergunta poderia ir mais além. e veem nessa movimentação uma onda
ção de político, dirá sempre a verdade, Uma política sem corrupção é provável para surfar, em direção à conquista do
será sempre sincero? Claro que não. como regra geral da política? Em ou- poder – se possível sem a necessidade
As pessoas públicas não dizem o que tras palavras, é possível sonhar com da batalha eleitoral.
pensam: dizem o que é conveniente uma estrutura política em que a cor- Foi isso o que aconteceu em
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