Page 75 - Livro Conto 01
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1º Conto: Laços afetivos                                                     enContro, desenContro e reenContro


          pelos benfeitores espirituais, sob o comando de Deus. Já liberto do corpo e
          bem colocado na colônia de regeneração, numa das sessões de lembranças do
          passado, fui posto à prova para que reavivasse na mente as minhas existên-
          cias anteriores, inclusive aquelas que antecederam essas mencionadas. Fiquei
          apavorado com os crimes, abusos sexuais, com todas as maldades provocadas
          pela minha pessoa.
               Nessa mesma sessão fui consultado pelo Senhor Amauri, um dos con-
          selheiros da colônia, se eu aceitava, sério, reencarnar como escravo, não pen-
          sei duas vezes, lhe respondi: ― Eu aceito o que me for concedido pela mise-
          ricórdia do Pai.

               Não demorou muito, após dez meses estava eu reencarnando como um
          escravo, filho de um Senhor de Engenho.

               Meu pai jamais me aceitou, renegou-me desde o primeiro momento,
          afirmando para minha mãe, Cândida, que me venderia, tão logo que eu pa-
          rasse de mamar.

               Quando fazia três aninhos, lá estava eu. Fui negociado como um prato de
          comida. Causou-me tanta revolta a separação de minha mãe, que durante os ses-
          senta anos de existência que tive nessa encarnação, foi visando unicamente vin-
          gar-me daquele que dizia ser o meu pai, porque jamais o senti como tal. Foi quan-
          do planejei acabar com a sua vida para que se efetivasse assim a minha vingança.

               Nossa! Como não falha a justiça divina! Um belo dia eu presenciei
          uma cena terrível, séria. Um cachorro tinha fugido de seu “quartinho”, era
          conhecido como o valente “dentão”. O cão da fazenda vizinha veio em sua
          direção e ele já estava bem velinho. Os anos já bem avançados fizeram com
          que o nosso irmão, digo meu “pobre” pai, ficasse indefeso. Na verdade era
          quase cego, estava sentado na cadeira de espaguete, debaixo de uma árvore
          bem grande, uma bela de uma sombra, onde ele passava quase todas as tardes
          e todas as manhãs.

               Acho que ali aquietava mais o seu remorso, pelo tanto de maldade que
          fizera a tanta gente, principalmente aos escravos.




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