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primária se dá por via administrativa, há o que a doutrina convencionou chamar de fraude à
Constituição (fraus constitutionis) e, paralelamente, um inequívoco abuso de poder
normativo.
Mas como se dá essa chamada "fraude à Constituição" no tocante à regulação das
atribuições do controle externo da atividade policial? De duas maneiras podem as normas
jurídicas ser violadas: (a) diretamente, quando há, simplesmente, conduta contrária a suas
determinações; (b) indiretamente, sempre que, mesmo por meios considerados lícitos, ou pelo
emprego de meios em geral ardilosos, aparentemente lícitos, se obtém resultado proibido ou
se evita fim por ela imposto. O que importa para que se tenha a infração indireta é o fim
alcançado com o ato jurídico, e não o meio utilizado para alcançá-lo 1013 .
O poder regulamentar diretamente envolvido nessa análise remonta a uma pronunciada
tendência autoritária da administração pública brasileira, como legado de nossa nefasta
herança política. Há uma praxe disseminada entre órgãos administrativos de diferentes níveis
hierárquicos e de diversas instituições cuja ânsia de autorregulação – por motivos utilitários,
pragmáticos ou corporativos - destrava uma discussão (sempre recorrente) sobre os limites de
tais normas autorregulatórias em relação à lei e até à própria Constituição.
Este estudo, portanto, propõe-se analisar a prática disseminada em muitas unidades
ministeriais de proceder uma autorregulação administrativa das atribuições referentes ao
controle externo da atividade policial. Embora a prática se estenda às atribuições de todos os
órgãos de execução do Ministério Público – sendo de igual modo, alcançada pelas razões e
conclusões deste ensaio -, o cerne de nossa abordagem será a função constitucional prevista
no art. 129, inciso VII, da Constituição Federal.
2- Práticas autorregulatórias: inconstitucionalidade
Algumas unidades do Ministério Público violam a Constituição diretamente,
regulando primariamente a função através de ato interno infralegal. Exemplo é o Ministério
Público de Mato Grosso. A Lei Complementar n. 27, de 19.11.1993 (Lei Orgânica da referida
unidade ministerial) prevê no art. 24 que o "Ministério Público exercerá na forma da lei, o
controle externo da atividade policial, velando, em especial, pela indisponibilidade,
moralidade e legalidade da persecução criminal". Além desse artigo, não há nenhum outro
dispositivo na referida lei complementar que trace outras diretrizes ou atribuições dos órgãos
de execução encarregados do referido controle. Todavia, até onde nos é dado conhecer, as
1013
MELLO, Marcos Bernardes de. Da fraude à Constituição no sistema jurídico nacional. Curitiba:Revista
da Faculdade de Direito-UFPR, n. 47, 2010, pp. 144-145.
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