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Capítulo 9
A ÁGUA E O SUJEITO ORDINÁRIO: TERRITÓRIOS EM DISPUTA
Muitos dos materiais audiovisuais sobre o Rio Doce e a tragédia da
“lama da Samarco” encontrados no YouTube são produzidos por sujei-
tos externos às comunidades atingidas, ainda que tenham algum tipo de
vínculo com elas. São documentaristas (amadores e profissionais), jor-
nalistas representando veículos de comunicação, frequentadores e “sim-
patizantes” desses espaços. Nota-se, por outro lado, que diversos vídeos
“amadores” parecem ter sido produzidos por moradores locais.
Dos quatro documentários apresentados neste estudo, pode-se afirmar
que três foram produzidos por agentes externos às comunidades. O vídeo
A Luta Vencerá a Lama: uma marcha por justiça no Rio Doce é uma exceção,
pois foi realizado por integrantes do Movimento dos Atingidos por Barra-
gens (MAB). Este também é a única produção que percorre várias cidades.
Cada um dos outros três vídeos se dedica a uma localidade específica.
Alguns aspectos recorrentes podem ser observados nos materiais analisa-
dos. Considerando a dimensão formal, os quatro documentários possuem
dispositivos narrativos distintos: o primeiro tem um caráter de urgência e
se antecipa à chegada da lama na vila de Regência (ES); o segundo segue
o formato de reportagem e se dedica a chamar a atenção para a questão
da saúde pública em Colatina (ES); o terceiro tem uma proposta artística
que se ancora na memória de sujeitos desterritorializados; e o quarto as-
sume a forma de um registro de uma ação coletiva.
Por outro lado, nota-se um padrão de produção audiovisual que privilegia a
entrevista direta, em geral sem a presença de um mediador em cena. Por ve-
zes, a figura do mediador aparece em cena, ouvindo os entrevistados ou falan-
do diretamente para a câmera, como em Regência, últimas horas antes da “lama”.
As obras, em sua totalidade, reúnem diferentes atores sociais das comu-
nidades retratadas, representativos de diversos segmentos sociais (pes-
cadores, comerciantes, moradores, autoridades locais, representantes de
organizações, visitantes etc.), ressaltando a imagem do nativo, do sujeito
“local”, para tentar ressaltar um discurso que endossa a dimensão da tra-
gédia, das perdas materiais e simbólicas que os moradores sofreram. Evi-
dencia-se, sobretudo, a imagem e a fala do sujeito comum, ordinário, e de
como seu cotidiano foi afetado.
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