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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização
Nos materiais examinados, as falas em evidência quase sempre são as dos
sujeitos comuns, ordinários, ou ainda de lideranças comunitárias ou liga-
das a movimentos populares em defesa dessas minorias atingidas. Quase
não há falas institucionalizadas, com exceção de especialistas locais e re-
presentantes das municipalidades. No lugar de um discurso “oficial”, são
privilegiadas as narrativas das vítimas – ainda que em alguns materiais
se recorra a entrevistas com especialistas e autoridades locais. Inexistem,
portanto, falas institucionais do governo estadual ou da Samarco. A mi-
neradora aparece nas narrativas como uma espécie de antagonista. Deve-
se considerar que “ouvir” a empresa é algo desnecessário e não deseja-
do nesse tipo de material, uma vez que ela já possui canais próprios de
comunicação e conta com bastante visibilidade nos grandes veículos de
mídia. Isso se confirma, por exemplo, pelo fato de que, logo após o derra-
mamento da lama tóxica no Rio Doce, a Samarco produziu uma campa-
nha publicitária veiculada na TV para amenizar os impactos negativos na
imagem pública da empresa. Para tanto, como forma de “prestar contas” à
sociedade, produziu um filme institucional no qual aparecem alguns pes-
cadores de comunidades atingidas “trabalhando” para a própria corpora-
ção em ações de redução de danos provocados pela tragédia ambiental.
Na edição dos documentários, as entrevistas são alternadas com imagens
de apoio que reforçam o discurso das vozes destacadas. As imagens em
geral apresentam os territórios afetados – principalmente o Rio Doce e
seu entorno – a partir de diferentes escalas de planos e ângulos. Além dos
moradores, das populações locais e dos seus territórios atingidos, a água
do Rio Doce é a protagonista das narrativas. No caso dos documentários
sobre Regência, o mar também ganha destaque.
As vozes dos documentários que conduzem a narrativa assumem o tom da
denúncia com relação à degradação do meio ambiente (uma vez que este
é o impacto mais imediato e visível) e aos prejuízos materiais, emocionais
e simbólicos para as comunidades e seus moradores. Ou seja, o discurso
predominante se ancora na relação entre processos ambientais e sociais.
Nota-se ainda que, à medida que os anos vão passando, o imediatismo
que tenta dar conta do evento de forma mais factual, que de certa forma
caracteriza os produtos aqui destacados, dá lugar a outras abordagens,
que vão atualizando a situação das comunidades afetadas, aprofundan-
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