Page 44 - POESIAS-DE-MAURÍCIO-REVISÃO-3_sem_ventos
P. 44

CANTO

              eu canto como quem propugna uma razão para a qual ainda não
              foram inventadas as palavras mais certas

              que desagrega a matéria e que revolve o solo
              deste não-lugar;
              da vertigem de ser apenas o que se é.

              meu canto é poroso
              –sanguíneo e translúcido punhal
              desossando a carne das horas;
              roendo as veias, o fígado e o tutano
              numa tessitura torta, amarga e ardente
              que irrompe auroras
              e assinala em mim o cheiro de todas as ausências
              deixando um áspero sabor de pólvora na boca.
              – Eu canto, canto porque a verdade não é o bastante








                                           42
   39   40   41   42   43   44   45   46   47   48   49