Page 31 - REVISTA MULHERES EDIÇÃO 21
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entre homens e mulheres. Acontece também na educação
de gênero, quando, desde cedo, meninos são incentivados a
serem “agressivos” e “pegadores”, enquanto meninas devem
ser delicadas e discretas quanto à sexualidade. Isso sem falar
na diferenciação das tarefas domésticas, quando meninos são
orientados a estudar e trabalhar e meninas precisam saber
cuidar da casa.
Tudo isso, segundo ela, é alimentado coletivamente. A vio-
lência, o estupro e o feminicídio nada mais são do que os atos
finais dessa estrutura tão enraizada na sociedade. E, apesar
da crueldade desses crimes, as pessoas parecem não sentir
revolta, pavor, repulsa e injustiça. “Fomos educados para agir
como se o corpo e a vida das mulheres não fossem realmen-
te importantes e, por isso, está tudo bem em violentá-los’’,
comentou. “Basta que façamos uma análise histórica das le-
gislações de proteção à mulher e seus direitos para constatar
isso”. Tatichelle lembra ainda que a Lei Maria da Penha, por
exemplo, é muito recente.
A publicitária Alyne Gondim lidera o Núcleo Mulheres
do Brasil em Uberaba e reflete sobre o impacto negativo da
cultura do estupro na sociedade. “Muitos homens encaram
como normal aquele assovio ou frases grotescas como “Ohh,
lá em casa, gostosa”, seguidas de caras e bocas nojentas e
algumas vezes gestos obscenos”, comentou. Segundo Alyne,
essas frases são apenas a ponta de um iceberg de compor-
tamentos adquiridos. Um dos impactos negativos disso, se-
gundo ela, é que muitas mulheres são desacreditadas quando
denunciam um crime de estupro. “Ainda há um pensamento
de que a mulher está se expondo, expondo a família, colocam
dessa forma a vítima como culpada, e aumentam o sofrimen-
to além da violência já sofrida”, comentou.
Para Tatichelle, frases como “Se ela não denunciou, é por-
que gostou”; “Quem mandou sair com aquela roupa? Estava
pedindo”; “Será que é verdade? Conheço ele, é de família
boa, nunca ouvimos nada dele” são outros exemplos de afir-
mativas que apenas corroboram com a cultura do estupro.
De acordo com ela, as mulheres sempre são colocadas em
situação de culpadas, porque o sistema de polícia e justiça
são majoritariamente compostos por homens e, culturalmen-
te, por homens, brancos, que perpetuam a cultura do estupro.
No livro “Explosão feminista”, organizado por Heloísa
Buarque de Holanda, Maria Bogado lembra que naquele
2015 estudantes do estado de São Paulo ocuparam dezenas
de escolas estaduais. O objetivo era impedir uma reforma
proposta pelo então governo do PSDB, que planejava fechar
92 escolas. Na época, o hasthag #VaiTerShortinhoSim virali-
zou nas redes, levando o debate das questões de gênero e cul-
tura do estupro para as escolas. Depois, o filme “Lute como
uma menina!”, lançado em 2016, retratou a atuação das meni-
nas que impediam que divisões de gênero acontecessem nas
ocupações. Em uma escola de Niterói, criaram o “Mural dos
Machistas”, onde reproduziam falas escutadas.
Olhando para esse cenário, Tatichelle percebe que o Bra-
sil vinha avançando consideravelmente em termos de acesso
à discussão e construção de políticas públicas. Essa marcha,
no entanto, parece ter sido interrompida e silenciada por go-
vernos declaradamente machistas.
Apesar disso, algumas mulheres consultadas para esta Tatichelle Rodrigues é advogada e atua na Superintendencia Regional de Saúde
matéria, estão otimistas. Ana, Maria e Luana não quiseram
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