Page 219 - ANAIS - Ministério Público e a Defesa dos Direitos Fundamentais: Foco na Efetividade
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das circunstâncias que cercam o fato objetivamente ilegal e da realidade concreta, elementos
subjacentes à vontade e que não afloram com a precisão de um valor matemático.
Um agente público (policial, por exempo) atua, ou pode atuar, dolosamente quando, de
modo deliberado, vulnera, ou quer vulnerar, normas legais, para satisfazer fins ilícitos, sejam
públicos ou privados. O estilo autoritário do servidor que atropela o Estado de Direito (âmago
da conduta do torturador), eis aí algo que marca o dolo administrativo 261 . Essa espécie de dolo,
admitindo-se a exigência de elemento anímico em qualquer ato de improbidade, flui,
naturalmente, da prática da tortura, pois de modo algum é possível extrair inabilidade,
despreparo ou atecnia do agente público que se vale do tormento para extrair a verdade,
humilhar ou impor castigo. Ele sabe que a tortura é um ato ilegal e moralmente censurável, e
quer infligi-lo. Assim o agente torturador pratica, voluntariamente, ação ou omissão e sabe
que tais ações violam os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições (art. 11, da Lei de Improbidade). Temos então, teoricamente, o dolo administrativo
como uma estrutura de vontade baseada no conhecimento.
É exatamente o que se extrai das lições de Mazzilli e Rita Tourinho, respectivamente 262 :
―O dolo (para fins de aplicação da lei de improbidade) que se exige é o comum; é a vontade
genérica de fazer o que a lei veda ou não fazer o que a lei manda".
―Dolo e culpa são espécies de vínculo de aspecto psicológico que liga o autor ao fato por ele
praticado. (...) Age com dolo quem atua visando que seu ato contrarie o direito ou quer
contrariar o direito e atua para isso. (...) Transportando esta noção para o direito
administrativo, age com dolo o agente que voluntariamente realiza determinada conduta
proibida pela ordem jurídica".
A técnica de comprovação do dolo deve ser realizada com os mesmos mecanismos com
que se aborda a observação da ilegalidade do ato ou da atividade administrativa. Deverá ser
uma abordagem de constatação, baseada na regra de proibição tipificada normativamente
somada a uma avaliação interpretativa da realidade concreta (avaliação dos fundamentos, meios
e fins que justificaram o ato) 263 .
De outro lado, mas em estreita relação com a linha de raciocínio desenvolvida e
considerando que o dolo comum ou genérico exigido para justificar a incidência do art. 11, da
261
OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa: má gestão pública; corrupção;
ineficiência. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 293.
262 a
MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo:Saraiva, 7 . ed., p. 162;
TOURINHO, Rita. Discricionariedade Administrativa. Curitiba:Juruá, 2004, p. 173.
263 CHOINSKI, Carlos Alberto Hohmann. Estudo sobre o dolo no direito administrativo. Disponível em:
http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/19868-19869-1-PB.pdf. Último acesso: 16.06.2019.
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