Page 222 - ANAIS - Ministério Público e a Defesa dos Direitos Fundamentais: Foco na Efetividade
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o princípio da intolerância a qualquer ato contra legem, especialmente quando resultantes em
ofensa à moralidade pública. A investigação dos atos praticados pelo agente público deve ser
transparente, justificando a exposição da sua conduta em processo público" (TJRS, 3CC,
Agravo de Instrumento nº 70029616547, in: AC: 70053608303 RS, Rel. Lúcia de Fátima
Cerveira, Diário da Justiça, 31 mai. 2014).
A moralidade administrativa situa-se na ―zona fronteiriça‖ entre o Direito e a Moral. E
por isso o controle jurisdicional não pode ter um enfoque apenas técnico-jurídico, devendo,
dentro da ―moralidade administrativa‖, ser considerados os seguintes tópicos: abuso do
direito, desvio de poder e razoabilidade da conduta sindicada 267 .
Por fim, considerando a clandestinidade e a invisibilidade típicas da prática da tortura,
bem como o fato da Lei n.º 8.429/92 ter vindo a lume sob o signo da dubiedade quanto a seus
fins maiores, representando uma clara distorção que põe em xeque sua aplicação, o intérprete,
na dúvida, deve se decidir a favor da concretização sensata do princípio da probidade 268 . Em
suma, faz-se necessário interpretar a lei de improbidade à base da inteligência conducente, com
realismo, à efetivação do princípio em pauta, obrando por sua máxima afirmação.
3- Tortura, improbidade e dano
A Lei n. 8.429/1992 elenca três espécies de atos de improbidade administrativa: 1- os
o
que importam em enriquecimento ilícito (art. 9 ); 2- os que causam prejuízo ao erário (art. 10);
3- e os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). A regra do art. 11
funciona como um standard de reserva, nos casos de improbidade administrativa que não
acarretem lesão ao erário nem impliquem em enriquecimento ilícito ao agente público.
O sistema criado pelo legislador contempla essas três modalidades de improbidade
administrativa. Os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública constituem
uma modalidade própria, autônoma, e não apenas integram as duas outras modalidades. Se o
sistema se restringisse à ocorrência de dano e ao enriquecimento ilícito, estar-se-ia passando a
mensagem de que o agente público ou administrador pode agir como quiser, ainda que
contrariando a lei e os princípios mais valiosos da boa administração, desde que não cause dano
ao erário ou obtenha vantagem indevida.
É certo que a tortura não causa dano ao erário, mas o dano, neste caso, não é
fundamental para configurar o ato de improbidade (nos termos do art. 21, I, da Lei de
267
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular: proteção do erário, do patrimônio público, da
moralidade administrativa e do meio ambiente. São Paulo:Revista dos Tribunais, 5. ed., 2003, pp. 108-109.
268
FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 141.
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