Page 31 - Quando chegar a primavera
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                          O firmamento emanava colorações suaves, aquiescendo os corações

                      rotos  e  osculando  as  faces  de  tormentos  hirtos.  Ao  lado,  multidão


                      avolumava-se  sem  demérito  algum,  pactuando  o  louvor  e  admiração


                      pela  grandiosidade  do  Astro-Rei,  soberano,  vórtice  de  Excelsa


                      Inteligência  Criadora  a  nutrir    vida,  vida  em  abundância.  Crianças


                      apressadas  celebravam  felizes,  aqui  e  ali,  cantarolando  aos  pulos


                      breves, melodias ingênuas que os permitiam distração e barreira para

                      aquelas  canções  ovacionadas  pelas  mentes  em  desalinho  febril.  A


                      calmaria  seguiu  insistente  para  todos.  Ao  focar  o  olhar  para  mais


                      distante, Alexandre sentia-se em conforto e paz. Deitou-se de barriga


                      para cima, evitando pressão na musculatura cervical, obnubilou a visão


                      periférica,  permitindo-a  ser  conduzida  ao  interior,  de  modo  que

                      pudesse  ver  por  dentro.  Sem  notar,  ouviu  a  peculiar  evacuação  da


                      maldade  em  palavras:    _  Aí  está  você,  então!  -  Era  o  pestilento  que,


                      rapidamente,  instou  a  mão  esquerda  em  direção  ao  cabelo  de


                      Alexandre, afagando-o sem cerimônia, com dúbias intenções. Manoel


                      Trigueiro  esteve,  como  víbora  peçonhenta,  estabelecendo  discreto  e


                      relativo contato visual com o interlocutor, observando-lhe as reações e

                      divertindo-se com a manipulação nefasta. Para que o plano chegasse


                      ao  ápice,  naquela  noite,  o  objetivo  era  tomar  posse  do  corpo  de


                      Alexandre,  custasse  qualquer  paga.  Atônito,  Alexandre,  procurou


                      desviar-se  da  situação  de  bote  e,  sem  esperar,  Trigueiro,  notando  a


                      quase ausente circulação de pessoas, paralisou membros superiores,

                      olhos fumegantes, sorveu detestável fricção entre os seus e os lábios


                      de Alexandre, que foram, de imediato, postos em morso, embebido de


                      clorofórmio, evitando pedido de socorro. Na altura do acontecimento,


                      três esguios comparsas, equipados com cordas, panos, fitas adesivas e


                      sacos, emalaram o corpo, ali mesmo semidespido com violência.




                      A  noite  cumpria  testemunho  da  atrocidade.  Nada  se  podia  fazer.  Na


                      capital  paulista,  nos  aposentos  dos  Bolton,  Flávia  dirige-se  à  janela.


                      Solenemente, fita os Céus, em rogativa de proteção a Alexandre. Não


                      sabia o que acabara de ocorrer. Em sintonia com o Bem, segue rente


                      ao  quarto  do  pavilhão  superior  e  conclui  a  ausência  incomum  de

                      Alexandre  no  horário  costumeiro  de  visitas.  Teria  lhe  ocorrido  algo


                      grave? Sussurrava aflita, demonstrando inquietação.
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