Page 28 - Quando chegar a primavera
P. 28
A
28
paisagem recebia o aconchego do por do sol. Ao leste, sob o
beijo de marulho cansado, Alexandre estava pensativo. Havia partido
em busca do litoral, solitariamente. Vez ou outra, sabia que o contato
com a natureza refazia suas forças, incentivando calmaria,
profundidade e amplitude de visão. Nunca fora levado, por
circunstâncias, a reagir com violência. Em momentos de extremo
abandono, retirava-se entre canções estrangeiras dos anos de 1970.
Um romântico incorrigível, dono de mais fina inteligência, sabia compor
quadros mentais de refazimento, diante das intempéries. Mas, naquela
situação, tornara-se inapto, seguindo forte orientação magnética.
Incapaz de machucar uma planta, Alexandre repassava cada quadro do
episódio. Perscrutava obtenção de entendimento, mesmo sem pressa.
O telefone toca. Titubeante, quis evitar a comunicação. Algo, para
além de suas forças, trazia cenas difusas que inquietavam a alma de
qualquer pessoa. O sufocamento, sentido momentos antes, estava de
volta. Evitou, evitou e cedeu. Não se conteve. Por algum tempo, em seu
pensamento, ecoou mando impositivo de reproche e revolta. A intuição
desferia, por outro lado, golpes de repulsa, incidindo em coceira e
ardor ígneo, como se chamas ou feridas tivessem rompido a epiderme,
inesperadamente. Do outro lado da linha, ouviu, sem solenidade: ...meu
nobre Alexandre, quanto tempo!? Ao estalido da voz rouca e garbosa, um
tremor percorreu da coluna aos pés. Uma sensação inconfundível de
nojo e dolo, misturava-se com a indigesta comunicação. Então, com as
forças retomadas, balbuciou:
_ Trigueiro? O que deseja?
Zombeteira gargalhada se fez ouvir. Calma, moço! Sim, sou eu. Quero
apenas trocar uma ideia contigo. Afinal, você é ou não meu parça? Não
poderia ser mais intransigente, em puro abuso. Alexandre Almuz
manteve a altiva serenidade e obtemperou: Prossiga com a declaração
do que deseja. Não estou no escritório. Aliás, não estou na capital.