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Na história do Brasil, não são raros os registros dos momentos em que mu-  go. Por isso mesmo, parece tão neces-
          lheres colaboraram com práticas hostis e segregacionistas. Um deles envolveu a   sário  retomar  Hannah  Arendt (tantas
          instalação da Casa Maternal, a primeira escola pública criada por Anália Franco,   vezes acusada de ser uma mulher que

          no fim do século XIX. A casa ficava no estado de São Paulo e tinha sido cedi-  pensava como homem) enquanto fonte

          da gratuitamente pela proprietária, uma fazendeira, sob a absurda condição: “não   poderosíssima para o movimento polí-
          misturar negros e brancos”. Anália, que havia sido católica e se tornara espírita   tico das mulheres. Movimento capaz de
          sem nunca misturar o trabalho social com religião, não aceitou a proposta racista,   fazer nascer uma nova história, pactuar
          mas precisava do espaço. Aceitou, então, pagar um aluguel pela casa, recebendo   um novo começo em que as mulheres
          qualquer criança, sem segregação ou distinção racial. Ainda assim, a fazendeira   sejam incluídas, não como sustentado-
          não se deu por vencida diante da ousadia da professora e removeu as crianças do   ras de uma vida privada opressiva e ca-
          lugar. Alegou cinicamente para isso, que a casa estava sendo transformada em um   rente de liberdade, mas enquanto agen-
          albergue, exteriorizando, através de uma ação individual, as suas características   tes de transformação. Feito o arquétipo
          racistas mais peculiares.                                            da deusa Inana, precisamos continuar
               Hoje, como no passado, os tempos de opressão e intolerância escancaram   tornando público o que está na esfe-
          todo um azar de retrocessos. Mulheres submetidas ao sistema patriarcal, demons-  ra privada a fim de visitar as trevas da

          tram por vezes comportamento tão ignóbil quanto o do opressor, revelando uma   opressão para que atitudes e valores
          ferida purulenta que precisamos enfrentar. Parece ocorrer assim: ainda que, al-  antigos  sejam,  enfim,  substituídos  por

          gumas tenham passado por um sem número de violências, ao entrar no espaço   novos. Como, porém, unir feminismo
          político, para o bem ou para o mal, agem à moda Ministra Damares Alves, tendo   e  sagrado,  espiritualidade  e  laicidade,
          a vida tutelada por homens. Aliás, agem como são: mulheres feito a Inés de meu   trabalho e ação, acolhimento e posicio-
          “talvez eu tenha morrido”, que ainda não se libertaram do cárcere e seguem an-  namento crítico, interesse privado e pú-
          dando de lado feito caranguejo, ora aprumando as amarras, ora remendando a   blico?  Como evoluiremos, se ainda não
          alma complacente e sem critério”. Revelam, assim, as incoerências e estranhezas   levamos em consideração o lugar de

          sociais  há  tanto  tempo  escondidas  a  fim  de  evitar  o  necessário  enfrentamento,   fala das mulheres negras e indígenas?
          enquanto “os cavalos apavorados fogem em todas as direções”. “É preciso sair da   Como superar a polarização política em
          ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”, escreveu José Sarama-  curso? Como existir, conforme nos lem-

















































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