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Uma Mudança no Olhar


             Desde 2020 a humanidade tem enfrentado uma das maiores ameaças virológicas de todos os tempos, o vírus
         SARS Cov-2. Tal como a qualquer pessoa, o confinamento resultante mudou drasticamente algumas dimensões
         da minha vida, obrigando-me a uma reflexão constante sobre as decisões que viria a tomar, que naturalmente tive-
         ram de sofrer alterações bruscas face ao caminho que percorrera na vida pré-pandémica. Neste texto explorarei
         três questões sobre as quais refleti mais intensamente ao sair do confinamento, olhando para trás com a intenção
         de poder aprender algo que me permitisse melhorar como indivíduo. As três questões sobre as quais me debru-
         çarei são todas acerca das relações interpessoais, sendo cada uma um aspeto concreto da componente social da
         minha vida.. Deste modo, refletir sobre algo que é comum a qualquer leitor, a socialização, parece-me ser de maior
         relevância do que questões quotidianas. Após explorar as três questões, apenas pretendo enunciar uma premissa
         geral do que retiro desta experiência.

              Durante o confinamento, quer em 2020 quer em 2021, um dos grandes desafios que enfrentei foi no campo das
         relações interpessoais, tanto com membros da família como com amigos. No regime presencial, tendo aulas à tar-
         de, não me cruzava nem com os meus pais nem com as minhas irmãs mais velhas, que também trabalham. Sendo
         o mais novo, e não tendo a necessidade de trabalhar enquanto estudo, sou o único que passa uma grande parte
         do dia em casa, a estudar ou ocupando o meu tempo livre. O único momento familiar diário que tenho é o jantar.
         No entanto, em regime online, e com o teletrabalho, tivemos a oportunidade de estar em casa o dia todo, em famí-
         lia, mesmo respeitando o horário de trabalho uns dos outros. Deste modo, qualquer refeição ou intervalo resulta
         num pouco de conversa, e todos tentamos conciliar as tarefas, de forma a ajudar em casa e podermos aproveitar
         para conviver um pouco. Este aspeto seria positivo e saudável se eu fosse alguém muito dado à família, porém,
         dado o meio feitio de lobo solitário, faz-me confusão o facto de conviver tanto e partilhar os meus momentos de
         descanso com outras pessoas, não tendo o espaço pessoal e a rotina própria a que estou habituado. Com esta
         experiência, decerto comum a muitos dos leitores, há uma maior abertura para momentos de contraste entre fei-
         tios. Passando o dia em casa e em contacto constante com outros, torna-se difícil ter paciência para o que isso
         implica, seja nas diferenças de rotina e gostos pessoais como as horas a que se toma o pequeno-almoço ou outras
         refeições, seja o que se faz durante as mesmas. Há quem prefira conversar ou aproveitar cada colherada de sopa,
         e há quem prefira aproveitar o tempo para ir vendo uma série ou adiantando pedaços de trabalho menos comple-
         xos. Esta experiência fez-me aperceber da falta de caridade e paciência que tenho para com os outros quando
         passo com eles muito tempo, mesmo adorando-os e reconhecendo que sem eles não seria nem feliz nem, de lon-
         ge, teria uma vida tão boa. Obrigou-me também a converter grande parte do tempo entre ir e vir da escola, ou ou-
         tro, para um maior tempo de trabalho e foco.
              No que toca aos amigos, a experiência foi ligeiramente diferente. Com estes, poder-se-ia dizer que o reverso
         seria mais provável de acontecer, sendo menor o tempo com eles do que o desejado. Naturalmente, tendo uma
         rotina ainda mais monótona do que o normal, vi-me aflito em ter assunto suficiente de conversa com os meus ami-
         gos. Apercebi-me que grande parte das relações de amizade dependem fortemente da narração de histórias e pe-
         ripécias da vida, e não só da conversa sobre interesses pessoais como política, desporto, música ou qualquer ou-
         tro tipo de entretenimento. Sentia-me sozinho e, como resultado, a motivação para estudar e sair da cama era di-
         minuta sem ter ali um dos grandes pilares da minha vida: a amizade. Quando os objetivos dependem apenas da
         minha resiliência, há períodos em que cedo à preguiça e ao cansaço, e penso que não tenho o que é preciso para
         ser bem-sucedido. No entanto, quando tenho amigos que me querem bem, estes levantam-me e atiram-me contra
         o problema, apoiando-me e mostrando-me que tenho o que é preciso para os resolver ou simplesmente para ultra-
         passar os obstáculos naturais da vida de estudante. Faltavam-me os cafés, os jantares de última hora, e todas as
         atividades fora de casa que não só geram conversa como servem e contribuem para a libertação de serotonina.



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