Page 15 - ARCANO XIII
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pensava agora que via vultos e ouvia vozes
                                   ao longe no horizonte. podia dobrar esquinas
                                   e desviar o rumo para pedir-lhes água, mas
                                   isso o afastaria da pista de odor de latrina
                                   que perseguia e que consistia na renovação
                                   de sua fé. não se desviaria um centímetro
                                   da  direção  apontada  por  seu  nariz.  em
                                   verdade jamais o fizera por toda vida, não
                                   mudaria agora que estava com sorte.


                                   e a sorte parecia que havia mesmo migrado
                                   para o seu lado – ou talvez fossem os
                                   novos caminhos desvendados pelo olfato
                                   – se seus olhos não lhe pregavam peças
                                   havia de ser um homem na calçada mais
                                   à frente. acelerou drasticamente o passo e
                                   em parcos intermináveis minutos estava
                                   a poucos metros do primeiro ser vivo que
                                   avistava em séculos – desde o dia em que
                                   acordara de ressaca no beco mijado com
                                   secura de caatinga na goela e um oco
                                   na  moleira  fazendo  eco  fosse  a  cabeça
                                   cabaça ante o aço tenso de um berimbau.


                                   abrupto                    estancou!


                                   as lacunas inexplicáveis na memória que ora
                                   retornava pareciam desconfigurar o mundo
                                   ao seu redor. voltou a mover-se lentamente
                                   como que incrédulo olhando as paredes
                                   que perdiam contornos assim como chão
                                   e tudo no entorno com exceção daquele
                                   nordestino picando fumo à sua frente.


                                   ainda que não lhe pudesse observar o rosto
                                   sob o chapéu de palha que ocultava a cabeça
                                   baixa concentrada no manuseio da faca que
                                   picava o fumo de corda – ele reconhecia os
                                   traços e trejeitos do sujeito cabra safado que
                                   uma vez chegara vendendo redes e recebera
                                   emprego e não era mais que um negro pardo
                                   de pele dura e vida árida – e voltou a sentir
                                   a secura da caatinga na goela e um oco na                                ANAMNESE
                                   moleira fazendo eco fosse a cabeça cabaça
                                   ante o aço tenso de um berimbau e a cabeça
                                   girou de volta até o beco e o cheiro de mijo
                                   quente subindo no bafo do verão sulino...
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