Page 12 - ARCANO XIII
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secura da caatinga na goela e um oco na moleira
fazendo eco fosse a cabeça cabaça ante o aço
tenso de um berimbau – inusitadas palavras
em seu pensamento como a sensação que
elas descreviam, mas não lhe ocorreu pensar
a respeito, carecia desesperadamente um copo
d’água, como se disso dependesse a vida.
moveu-se por instinto erguendo-se de onde
estava sem reparar o beco fétido em que
despertara. nem mesmo o odor de mijo
quente subindo no bafo do verão sulino lhe
causou qualquer estranhamento – cabeça
cabaça oca, só um eco persistente: água!
não fosse essa sede de mil ressacas
talvez lhe ocorresse olhar a si mesmo e as
circunstâncias em que encontrava-se e – se
assim procedesse – provavelmente se poria
a esquadrinhar a cachola velha em busca
de reminiscência qualquer que explicasse o
inexplicável. possivelmente o faria assim que
aplacasse a secura que lhe consumia. secura
da caatinga na goela – como se goela de sulista
comportasse caatinga qualquer em sua secura.
no nordeste seria coronel, aqui era patrão
mesmo. do deserto conhecia apenas o verde
dos pampas em que se criara e onde voltava
sempre aos finais de semana, jamais pisara em
terra rachada para que sua cabeça aludisse
esse tipo de imagem figurativa. mas esse
pensamento não lhe ocorreria agora, tinha sede,
uma sede dos infernos, secura da caatinga.
ANAMNESE